São Paulo, sexta-feira, 01 de fevereiro de 2002

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CRÍTICA

John Carpenter faz um faroeste do outro mundo

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN

Desde o título, "Fantasmas de Marte de John Carpenter" anuncia que estamos diante de algo fora do padrão. Afinal, onde já se viu em Hollywood um diretor ter a ousadia de emplacar seu nome até no título do filme? Se Fellini fazia isso, ainda vai, mas como pode um diretor de filmes de terror ter esse direito? Essa é apenas uma das peculiaridades de "Fantasmas de Marte".
Se Carpenter julga ter esse direito, é porque ele possui um universo próprio, uma mania de burlar regras, gêneros e de criar subversões onde menos se espera.
Apesar de o título sugerir, não se trata aqui de um filme de terror. Antes de tudo, Carpenter foi a Marte fazer um faroeste. Já se apontou mais de uma vez que os filmes de Carpenter são dezenas de variações de "Rio Bravo", o faroeste clássico do mestre Howard Hawks. Sem dúvida, em muitos de seus filmes vemos personagens encurralados e enfrentando forças ameaçadoras. Era assim em "Assalto à 13ª DP", em "O Enigma de Outro Mundo", em "A Bruma Assassina", em "Vampiros" e continua a ser em "Marte".
No lugar dos mocinhos de Hawks, agora estão mulheres, só que com a mesma truculência habitual do universo masculino reproduzido até a náusea pelo cinema de ação. Para Carpenter, o hipotético matriarcado sofre as mesmas distorções provocadas pela síndrome de poder. Vista pelo avesso, essa idéia torna-se ainda mais cristalina.
Também a narrativa está sujeita a outros tantos distúrbios. O prólogo sugere que os fatos são narrados em flashback. Mas essa memória pertence a uma policial que foi encontrada sem consciência e drogada em um trem.
A aparente linearidade do seu relato é minada por recursos como deixar em suspenso uma ação e depois retomá-la, narrada por outro personagem, numa estrutura do tipo "ele me contou aquilo, e eu conto para vocês que ele me contou aquilo daquele jeito".
As regras do gênero "gore", a sanguinolência tradicional em filmes de gêneros como o terror, também foram reestetizadas aqui com belos resultados. Em vez de fazer uma pornografia do sangue, Carpenter parte da associação habitual da cor com Marte e filma tudo em vermelhos agressivos e subtons que enchem os olhos.
Como se não bastasse a bizarrice da fazer um faroeste em Marte, Carpenter subverte mais uma regra de gênero, criando associações de sobrevivência entre "mocinhas" e "bandidos" e divulgando um discurso ecológico com conotações antiimperialistas.
Agora, quem preferir ver "Fantasmas de Marte" como um filme "trash" embalado em heavy metal pode ficar à vontade.


Fantasmas de Marte
Ghosts of Mars
   
Direção: John Carpenter
Produção: EUA, 2001
Com: Natasha Henstridge, Ice Cube e Jason Statham
Quando: a partir de hoje nos cines ABC Plaza Shopping, Center Norte, Jardim Sul, Paulista, West Plaza e circuito




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