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São Paulo, sábado, 01 de fevereiro de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

CORRESPONDÊNCIA

Obra reúne cartas completas do pai do positivismo com feminista Nísia Floresta

Amizade brasileira de Comte vira livro

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O positivismo deixou, é sabido, uma série de marcas profundas no Brasil. Da doutrina filosófica criada pelo francês Auguste Comte ficaram aqui desde uma instituição religiosa, a Igreja Positivista do Brasil, ainda ativa no Rio de Janeiro, até o lema da bandeira nacional: Ordem e Progresso.
Não foram os únicos vínculos de Comte (1798-1857) com o Brasil. Um pequeno livro que está sendo lançado por uma pequena editora do Sul do país revela uma pouco conhecida conexão brasileira do positivista.
Defensor de idéias como as de que a mulher deveria se dedicar só à família, como objeto do "culto doméstico" por parte do marido, ele nutriu laços de camaradagem com a pioneira do feminismo brasileiro Nísia Floresta (1810-1885).
"Cartas - Nísia Floresta & Auguste Comte" (editora Mulheres, em co-edição com Edunisc) traz o passo a passo dessa relação sui generis de um dos teóricos mais influentes da França do século 19 com a filha da cidadezinha Papari, no Rio Grande do Norte, hoje rebatizada com seu nome.
Organizado por Constância Lima Duarte, da Universidade Federal de Minas Gerais, o livro reúne pela primeira vez todas as cartas trocadas pela dupla, em 1856 e 1857 (ano da morte de Comte).
Pesquisadora da obra de Floresta desde 1985, Constância teve um empurrão de peso em seu caminho até essa correspondência.
Ela já conhecia as cartas do francês para a intelectual brasileira, hoje arquivadas no Templo da Humanidade, sede da Igreja Positivista Brasileira, no Rio. Mas foi o sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) quem indicou que a contrapartida estava preservada, na Maison d'Auguste Comte.
Quando visitou a entidade que documenta a obra do pensador, em Paris, Constância se surpreendeu. As cartas da escritora brasileira eram as únicas de uma mulher arquivadas por ele, além das já conhecidas missivas de Clotilde de Vaux, musa de Comte e inspiradora da religião da Humanidade, que ele fundaria, em 1847.
Estavam ali um índice dos poucos vínculos de Comte com as mulheres e, contraditoriamente, da amizade justamente com alguém que publicara em 1832, em um Brasil que mal falava em direitos, o livro "Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens".
"Um de meus objetivos no trabalho foi desfazer o mal-entendido de que Nísia seria positivista. Como ela poderia defender a doutrina que aqui mesmo no Brasil revogaria o direito da mulher de estudar, iniciativa do positivista Benjamin Constant?", questiona.
No ensaio que serve de introdução à compilação da correspondência, a professora aponta soluções que encontrou para a equação. Floresta, que chamaria Comte de "a maior glória da França", teria se seduzido pela defesa que o pensador fizera da "elevação do nível de instrução para o sexo feminino e um ensino igualitário".
Se, para a professora, o positivismo (que prega o método científico como única forma de chegar ao conhecimento) se revelaria "totalmente misógino e conservador", o seu criador não seria. Fã do feminismo de Floresta, Constância brinca: "Eu perdôo a admiração dela por Comte".


CARTAS - NÍSIA FLORESTA & AUGUSTE COMTE. Organização e introdução: Constância Lima Duarte. Editora: Mulheres (tel. 0/xx/48/233-2164). Quanto: R$ 20 (102 págs.).


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