UOL


São Paulo, sábado, 01 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO

"OS FILHOS DA MEIA-NOITE"

Adaptação do romance de 1981 sobre independência da Índia estréia neste mês em Londres

Rushdie leva seu "eu jovem" para o palco

PAUL TAYLOR
DO "THE INDEPENDENT"

"Levou ainda mais tempo do que escrever o livro original", calcula Salman Rushdie, dando uma risada sardônica. Mas o processo longo e tortuoso está quase concluído. Hoje, dez anos depois de iniciado o trabalho frustrado de adaptação do livro para a TV, o público britânico vai poder assistir à versão dramatizada de "Os Filhos da Meia-Noite", o romance que deu ao escritor anglo-indiano fama, fortuna e o Prêmio Booker em 1981.
A partir de 22 de fevereiro, a história será encenada no palco do teatro Barbican, em Londres. Atendendo ao pedido da Royal Shakespeare Company, Rushdie adaptou seu texto para o teatro, num trabalho de cooperação com o diretor Tim Supple e o dramaturgo Simon Reade.
Transbordando de desvios e subtramas, "Os Filhos da Meia-Noite" é o depoimento, escrito na primeira pessoa, de Saleem, um dos bebês que nasceu à meia-noite de 15 de agosto de 1947, no exato momento em que a Índia conquistou sua independência da Grã-Bretanha.
Rushdie nasceu nesse mesmo ano, e o livro documenta os destinos entremeados de um país e de uma pessoa, através dos primeiros 34 anos de uma história que começa com a carnificina da divisão da Índia e termina com a queda da pavorosa "Emergência" decretada por Indira Gandhi.
Dizer que muita coisa aconteceu com a Índia e com Rushdie desde que ele escreveu o livro é pouco. Uma maneira muito pessoal em que seu país de origem o magoou foi a proibição à BBC de filmar imagens em seu território para as versões projetadas para a TV de "Os Filhos da Meia-Noite".
"Se eu estivesse escrevendo o livro hoje, o final seria mais sombrio. Na Índia, quando o livro saiu, as pessoas diziam que a conclusão era pessimista demais. Mas os fatos desde então foram muito piores do que qualquer coisa que o livro aponta", diz Rushdie.
Trabalhar sobre a adaptação do livro para o palco, segundo o escritor, foi como entrar em contato com seu eu mais jovem. "É muito interessante pegar a inteligência editorial que possuo hoje e tentar aplicá-la ao trabalho imaginativo feito pelo eu mais jovem."
O herói de "Os Filhos da Meia-Noite" tem a convicção tragicômica de que é individualmente responsável por acontecimentos políticos de peso enorme.
A versão para o teatro -que parte de uma adaptação do roteiro que Rushdie escreveu para a TV- tem uma história intrigante. Há muito de cinema no livro, tanto em termos de temática quanto de técnica, e uma vantagem da versão para o palco é que ela pode brincar com isso. "Sob muitos aspectos, o teatro combina melhor com o espírito do livro do que a televisão, devido a esse clima de mídias misturadas."
O roteiro anterior tinha até utilizado convenções teatrais. Nele, o narrador, Saleem, às vezes entrava num quadro congelado e "se fundia com sua própria imagem". Já no teatro ele pode passar com fluidez infinita entre um discurso narrativo e uma reencenação.
A maior parte da geração de escritores da qual Rushdie faz parte despreza os dramas feitos para o teatro. Martin Amis, por exemplo, prefere ir ao dentista do que ao teatro. Fica claro, porém, que Salman Rushdie é muito diferente. "Quando eu era jovem, atuei muito mais do que escrevi", conta. Em Cambridge ele representou, entre outros papéis, um travesti loiro com bigode preto tipo mexicano. "Mas acho que meu temperamento me levou a passar mais tempo sentado sozinho, escrevendo."
Saudado por Supple como colaborador com quem é fácil trabalhar, Rushdie parece estar curtindo essas "férias" da solidão própria do escritor. "A gente tem que deixar nosso ego lá fora, no estacionamento, e pôr mãos à obra para descobrir o que funciona no palco e o que não funciona", revela o escritor, que diz ter gostado tanto de trabalhar na produção da peça que está pensando em escrever uma peça original.
Além de percorrer o Reino Unido, a produção de "Os Filhos da Meia-Noite" pela Royal Shakespeare Company será apresentada no Michigan e no teatro Apollo, no Harlem, EUA.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: A obra
Próximo Texto: "Prêt-a-porter 5": Peça usa agressão como forma de carinho
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.