|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
"OS FILHOS DA MEIA-NOITE"
Adaptação do romance de 1981 sobre independência da Índia estréia neste mês em Londres
Rushdie leva seu "eu jovem" para o palco
PAUL TAYLOR
DO "THE INDEPENDENT"
"Levou ainda mais tempo do
que escrever o livro original", calcula Salman Rushdie, dando uma
risada sardônica. Mas o processo
longo e tortuoso está quase concluído. Hoje, dez anos depois de
iniciado o trabalho frustrado de
adaptação do livro para a TV, o
público britânico vai poder assistir à versão dramatizada de "Os
Filhos da Meia-Noite", o romance
que deu ao escritor anglo-indiano
fama, fortuna e o Prêmio Booker
em 1981.
A partir de 22 de fevereiro, a história será encenada no palco do
teatro Barbican, em Londres.
Atendendo ao pedido da Royal
Shakespeare Company, Rushdie
adaptou seu texto para o teatro,
num trabalho de cooperação com
o diretor Tim Supple e o dramaturgo Simon Reade.
Transbordando de desvios e
subtramas, "Os Filhos da Meia-Noite" é o depoimento, escrito na
primeira pessoa, de Saleem, um
dos bebês que nasceu à meia-noite de 15 de agosto de 1947, no exato momento em que a Índia conquistou sua independência da
Grã-Bretanha.
Rushdie nasceu nesse mesmo
ano, e o livro documenta os destinos entremeados de um país e de
uma pessoa, através dos primeiros 34 anos de uma história que
começa com a carnificina da divisão da Índia e termina com a queda da pavorosa "Emergência" decretada por Indira Gandhi.
Dizer que muita coisa aconteceu com a Índia e com Rushdie
desde que ele escreveu o livro é
pouco. Uma maneira muito pessoal em que seu país de origem o
magoou foi a proibição à BBC de
filmar imagens em seu território
para as versões projetadas para a
TV de "Os Filhos da Meia-Noite".
"Se eu estivesse escrevendo o livro hoje, o final seria mais sombrio. Na Índia, quando o livro
saiu, as pessoas diziam que a conclusão era pessimista demais. Mas
os fatos desde então foram muito
piores do que qualquer coisa que
o livro aponta", diz Rushdie.
Trabalhar sobre a adaptação do
livro para o palco, segundo o escritor, foi como entrar em contato
com seu eu mais jovem. "É muito
interessante pegar a inteligência
editorial que possuo hoje e tentar
aplicá-la ao trabalho imaginativo
feito pelo eu mais jovem."
O herói de "Os Filhos da Meia-Noite" tem a convicção tragicômica de que é individualmente
responsável por acontecimentos
políticos de peso enorme.
A versão para o teatro -que
parte de uma adaptação do roteiro que Rushdie escreveu para a
TV- tem uma história intrigante. Há muito de cinema no livro,
tanto em termos de temática
quanto de técnica, e uma vantagem da versão para o palco é que
ela pode brincar com isso. "Sob
muitos aspectos, o teatro combina melhor com o espírito do livro
do que a televisão, devido a esse
clima de mídias misturadas."
O roteiro anterior tinha até utilizado convenções teatrais. Nele, o
narrador, Saleem, às vezes entrava num quadro congelado e "se
fundia com sua própria imagem".
Já no teatro ele pode passar com
fluidez infinita entre um discurso
narrativo e uma reencenação.
A maior parte da geração de escritores da qual Rushdie faz parte
despreza os dramas feitos para o
teatro. Martin Amis, por exemplo, prefere ir ao dentista do que
ao teatro. Fica claro, porém, que
Salman Rushdie é muito diferente. "Quando eu era jovem, atuei
muito mais do que escrevi", conta. Em Cambridge ele representou, entre outros papéis, um travesti loiro com bigode preto tipo
mexicano. "Mas acho que meu
temperamento me levou a passar
mais tempo sentado sozinho, escrevendo."
Saudado por Supple como colaborador com quem é fácil trabalhar, Rushdie parece estar curtindo essas "férias" da solidão própria do escritor. "A gente tem que
deixar nosso ego lá fora, no estacionamento, e pôr mãos à obra
para descobrir o que funciona no
palco e o que não funciona", revela o escritor, que diz ter gostado
tanto de trabalhar na produção da
peça que está pensando em escrever uma peça original.
Além de percorrer o Reino Unido, a produção de "Os Filhos da
Meia-Noite" pela Royal Shakespeare Company será apresentada
no Michigan e no teatro Apollo,
no Harlem, EUA.
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: A obra Próximo Texto: "Prêt-a-porter 5": Peça usa agressão como forma de carinho Índice
|