São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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Miramax diz ter recebido "recompensa"

REBECCA TRAISTER
DO SALON.COM

Nos últimos anos, o Oscar vem se transformando em uma espécie de referendo sobre a influência de um tal Harvey Weinstein. O co-presidente do conselho da Miramax Films mudou a natureza do ritual anual praticado por Hollywood, nas duas últimas décadas, com suas campanhas em benefício de filmes de pequeno orçamento executadas com entusiasmo e orçamento semelhantes aos dedicados pelos estúdios às grandes produções.
Weinstein ficou com o crédito pelo sucesso de filmes menores, de arte, como "Pulp Fiction -Tempo de Violência", nos prêmios Oscar. Mas, à medida que a Miramax crescia, seus filmes também o faziam -alguns dos quais, como "Shakespeare Apaixonado" e o grande sucesso do ano passado, "Chicago", arrebatando o Oscar. As expectativas quanto ao estúdio também cresceram. Na manhã de terça-feira, a muita alardeada adaptação do romance "Cold Mountain", estrelada por Nicole Kidman e Jude Law, foi indicada para sete prêmios, mas não como melhor filme. O diretor Anthony Minghella não foi indicado em sua categoria, e Kidman, que ganhou o Oscar no ano passado com "As Horas", não foi indicada na categoria melhor atriz.
Mas a Miramax conquistou mais indicações (15) do que qualquer outro estúdio e, de maneira completamente inesperada, o brasileiro "Cidade de Deus" recebeu cobiçadas indicações para os prêmios de melhor direção e melhor roteiro adaptado. "Salon" entrevistou Harvey Weinstein na tarde em que as nomeações para o Oscar foram anunciadas, sobre os pontos altos e os pontos baixos do dia.
 

Pergunta - Muita gente ficou chocada com as quatro indicações de "Cidade de Deus", incluindo a de melhor direção (Fernando Meirelles). Isso o surpreendeu?
Harvey Weinstein -
Não. Eu passei 54 semanas mantendo esse filme em cartaz, jamais o lancei em vídeo, não o mandei para fora, nada. Tínhamos uma situação em que, primeiro, o filme não foi escolhido para competir em Cannes. Preferiram "Irreversível" (2002), de Gaspar Noe, a esse filme, de modo que não disputamos prêmio nenhum. O filme era elegível para indicação ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira no ano passado, ainda que não tivesse sido lançado. Nosso plano era lançá-lo em 24 de janeiro de 2003. Mas, se não obtivesse a indicação, estaria elegível em todas as categorias este ano. Minha equipe insistia em que eu o lançasse logo em vídeo, exibisse-o na TV, fizesse alguma coisa. E eu e duas outras pessoas da empresa (executivos de aquisição e distribuição), que amávamos demais o filme, nos recusamos a fazê-lo. Hoje, tivemos nossa recompensa. E vamos colocá-lo em exibição em 200 salas na semana que vem e em 500 na seguinte.
Acreditei no filme desde o começo. Pedi ao "Los Angeles Times" e ao "New York Times" que publicassem artigos sobre o filme. Há sempre alegações de que não apóio os filmes pequenos. Pedi a todo mundo que falasse desse filme, sobre como sua temporada no Angelika Theater (em Nova York) superou a de qualquer outra produção. Ninguém escreveu a respeito. Todos escrevem sobre "Cold Mountain", "Gangues de Nova York", mas esse filme ficou órfão, a não ser em nossos pensamentos. Realizamos uma campanha para a Academia, com anúncios explicando que o filme não era elegível para o Oscar de melhor filme estrangeiro, mas podia concorrer em todas as demais categorias. E hoje, isso. Nós não conseguimos manter nossa tradição nas indicações de melhor filme (a Miramax teve pelo menos um filme entre os indicados desde "Traídos pelo Desejo", em 1992), mas lideramos as indicações ao Oscar há quatro anos, de modo que essa tradição continua.

Pergunta - Recentemente, o sr. também expressou seu interesse em fazer filmes maiores, mais populares. Agora está dizendo que pretende se concentrar em projetos menores?
Weinstein -
Acredito que eu consiga andar e mascar chiclete ao mesmo tempo. Além de carregar bandejas. Creio que o melhor seja, por exemplo, fazer um filme gigantesco e depois algo como "Cidade de Deus". Lemos o roteiro, estava em português, e o financiamos. É uma produção da Miramax, o que é ainda mais impressionante. Nós o fizemos. E Fernando Meirelles queria cortar quatro minutos e meio, mas eu disse que não, o filme era perfeito.

Pergunta - É mesmo?
Weinstein -
Sim. Juro por Deus que é verdade. Talvez seja a única vez na história, mas é verdade.

Pergunta - A imprensa já vem comentando sobre a Academia ter esnobado a Miramax ao desconsiderar "Cold Mountain".
Weinstein -
Não se pode dizer que fomos esnobados. A Miramax liderou com mais nomeações ao prêmio que qualquer outro estúdio (a Fox e a Fox Searchlight juntas obtiveram 14 indicações). A Miramax recebeu 15, com sete para "Cold Mountain" e quatro para "Cidade de Deus", além de duas para "As Invasões Bárbaras" e uma cada para "Coisas Belas e Sujas" e "Twin Sisters".

Pergunta - Ou seja, a Miramax não foi esnobada?
Weinstein -
Mas neste ano erramos em nossa estratégia. Porque todo ano tentamos ocupar a temporada de Natal, lançar por último, já que em janeiro, fevereiro e março um filme tem menos competição nas bilheterias. Este ano, com o cronograma alterado de lançamentos (o Oscar foi antecipado do final de março para 29 de fevereiro, e as indicações saíram duas semanas mais cedo do que nos anos anteriores), nós acreditamos que fôssemos capazes de superar a mudança sem problemas, mas não conseguimos.
Os filmes indicados foram "Alma de Herói", lançado em agosto, "Encontros e Desencontros", lançado em setembro, "Sobre Meninos e Lobos", lançado em outubro, "Mestre dos Mares", lançado em novembro, e o último, com a data mais tardia de lançamento, foi "O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei" (que estreou em 17 de dezembro). Acredito que tenha havido dois outros filmes da série "O Senhor dos Anéis". Assim, nenhum filme lançado mais tarde foi indicado e, sejamos francos, "O Senhor dos Anéis" faturou mais em três dias do que todos os demais combinados. Assim, a situação deste ano, com o Oscar antecipado, realmente nos prejudicou. Não conseguimos mostrar o filme a muita gente, antes do encerramento da votação.
No ano passado, tínhamos o Globo de Ouro, as pessoas assistindo à cerimônia e aos filmes indicados. Neste ano, eles não viram o filme. Por isso, não votaram, o que acabou com a gente.

Pergunta - O sr. se decepcionou?
Weinstein -
Claro. Queria uma indicação como melhor filme para "Cold Mountain", mas fiquei feliz com as nossas 15 indicações. Continuamos no topo da lista. Queremos tudo, mas nem sempre podemos ter o que queremos.

Pergunta - Antes de encerrarmos... Dizem que o sr. tem um mau gênio.
Weinstein -
Você está brincando.

Pergunta - Na manhã das indicações, havia piadas circulando. Um blog aconselhava os funcionários da Miramax a ficar em casa pela manhã, "porque Harv vai estar FURIOSO". O senhor ficou furioso?
Weinstein -
Nos últimos dois anos, criei uma tradição pessoal. Não tive sequer um rompante ou incidente. São dois anos ininterruptos de dieta de baixo carboidrato. Descobri que o açúcar me estimulava demais. Dois anos de baixo carboidrato, emagreci 16 quilos... Naquele dia cheguei feliz, animado. Amanhã também estarei feliz e animado.


Tradução Paulo Migliacci


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