São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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DENTRO DA NOVA ORDEM MUNDIAL

Especialistas americanos destacam aspecto narrativo dos longas de Meirelles e Salles e a capacidade de dialogar com o público

"Preocupação realista" é trunfo de brasileiros

ANGELA PIMENTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ao contrário do que o diretor Fernando Meirelles disse ao saber das quatro indicações que seu filme recebeu para o Oscar, não foi desta vez que Hollywood enlouqueceu. Sangrento, realista, feito com atores desconhecidos, falado em português e sem final feliz, "Cidade de Deus" desafia o figurino da premiação de cabo a rabo. Mas os 5.800 eleitores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood estão em perfeito juízo ao prestigiá-lo.
"Acredito que ao indicar "Cidade de Deus", a Academia surpreendeu positivamente a todos, investindo numa autenticidade que anda rara por aqui", disse à Folha Peter Biskind, autor do livro "Down and Dirty Pictures - Miramax, Sundance, and the Rise of Independent Film" (Filmes Baixos e Sujos - Miramax, Sundance e o Nascimento do Filme Independente), lançado nos EUA.
"O sucesso desse filme se explica pelo fato de ser uma bela história muito bem contada, num momento em que tem aparecido muito lixo."
Por decisão de seu distribuidor nos EUA, Harvey Weinstein, da Miramax, o filme deve reestrear em 500 salas americanas nas próximas semanas. "Estou muito orgulhoso por "Cidade de Deus'", disse Weinstein em comunicado. Tão poderoso quanto controverso em seu assédio aos membros da Academia, Weinstein voltou a apostar no filme, que também financiou parcialmente. Ao lado do longa de Meirelles, "Diários de Motocicleta", de Walter Salles, é o filme latino que tem atraído mais atenção no circuito indie dos EUA.
"Os melhores filmes brasileiros da última década têm uma preocupação com a realidade brasileira que os aproxima de um Glauber Rocha", disse Randal Johnson, crítico e professor da Universidade da Califórnia. "Mas, por outro lado, o cinema brasileiro de hoje não apresenta aquele caráter programático, e por vezes dogmático, do cinema novo."
Segundo Johnson, a tentativa de dialogar com o público através de narrativas bem amarradas é outro diferencial marcante dos contemporâneos. "Boa parte desses criadores, como o próprio Meirelles, se formou no começo dos anos 90, durante o governo Collor, quando o apoio financeiro foi cortado. Eles tiveram que recomeçar praticamente do zero, lidando com aspectos da produção e competindo com os filmes americanos pela bilheteria brasileira."
Tal pragmatismo aproxima os brasileiros de hoje do atual cinema independente americano. Como diz o produtor James Schamus, no livro de Biskind sobre os independentes, para quem se dispõe a contar histórias com começo, meio e fim, como fazem Salles e Meirelles, "não importa que você tenha ou não agarrado os meios de produção, à la Karl Marx, porque você não terá agarrado os meios de exibição, marketing e distribuição, e então você acaba tendo que jogar de acordo com as regras dos grandes caras".


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