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DENTRO DA NOVA ORDEM MUNDIAL
Especialistas americanos destacam aspecto narrativo dos longas de Meirelles e Salles e a capacidade de dialogar com o público
"Preocupação realista" é trunfo de brasileiros
ANGELA PIMENTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ao contrário do que o diretor
Fernando Meirelles disse ao saber
das quatro indicações que seu filme recebeu para o Oscar, não foi
desta vez que Hollywood enlouqueceu. Sangrento, realista, feito
com atores desconhecidos, falado
em português e sem final feliz,
"Cidade de Deus" desafia o figurino da premiação de cabo a rabo.
Mas os 5.800 eleitores da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood estão em
perfeito juízo ao prestigiá-lo.
"Acredito que ao indicar "Cidade de Deus", a Academia surpreendeu positivamente a todos,
investindo numa autenticidade
que anda rara por aqui", disse à
Folha Peter Biskind, autor do livro "Down and Dirty Pictures
- Miramax, Sundance, and the Rise of Independent Film" (Filmes
Baixos e Sujos - Miramax, Sundance e o Nascimento do Filme
Independente), lançado nos EUA.
"O sucesso desse filme se explica pelo fato de ser uma bela história muito bem contada, num momento em que tem aparecido
muito lixo."
Por decisão de seu distribuidor
nos EUA, Harvey Weinstein, da
Miramax, o filme deve reestrear
em 500 salas americanas nas próximas semanas. "Estou muito orgulhoso por "Cidade de Deus'",
disse Weinstein em comunicado.
Tão poderoso quanto controverso em seu assédio aos membros
da Academia, Weinstein voltou a
apostar no filme, que também financiou parcialmente. Ao lado do longa
de Meirelles, "Diários de Motocicleta", de Walter Salles, é o filme
latino que tem atraído mais atenção no circuito indie dos EUA.
"Os melhores filmes brasileiros
da última década têm uma preocupação com a realidade brasileira que os aproxima de um Glauber Rocha", disse Randal Johnson, crítico e professor da Universidade da Califórnia. "Mas, por
outro lado, o cinema brasileiro de
hoje não apresenta aquele caráter
programático, e por vezes dogmático, do cinema novo."
Segundo Johnson, a tentativa de
dialogar com o público através de
narrativas bem amarradas é outro
diferencial marcante dos contemporâneos. "Boa parte desses criadores, como o próprio Meirelles,
se formou no começo dos anos
90, durante o governo Collor,
quando o apoio financeiro foi
cortado. Eles tiveram que recomeçar praticamente do zero, lidando com aspectos da produção
e competindo com os filmes americanos pela bilheteria brasileira."
Tal pragmatismo aproxima os
brasileiros de hoje do atual cinema independente americano. Como diz o produtor James Schamus, no livro de Biskind sobre os
independentes, para quem se dispõe a contar histórias com começo, meio e fim, como fazem Salles
e Meirelles, "não importa que você tenha ou não agarrado os
meios de produção, à la Karl
Marx, porque você não terá agarrado os meios de exibição, marketing e distribuição, e então você
acaba tendo que jogar de acordo
com as regras dos grandes caras".
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