São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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MÔNICA BERGAMO

A caixa-forte dos museus

Ana Ottoni/Folha Imagem
A reserva técnica do Museu de Arte Moderna, no Ibirapuera, onde está guardada a maior parte das 3.776 obras do acervo


No subsolo de alguns dos principais museus brasileiros, ou em salas guardadas por portas de ferro, estão algumas das mais importantes obras do acervo da cidade de São Paulo. São lugares indevassáveis, onde a entrada é restrita, e as fotografias, proibidas, salvo raríssimas exceções.
 
São as chamadas reservas técnicas dos museus, com obras que ficam escondidas dos olhos do público por falta de espaço nas instituições para exibi-las ou porque, de tão frágeis, não podem sair do esconderijo onde foram colocadas. "É como o cofre de um banco", explica o arquiteto Júlio Neves, presidente do Masp (Museu de Arte de São Paulo).
 
A coluna pesquisou as reservas de quatro dos principais museus paulistanos, visitou três delas e encontrou obras de Brecheret, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Monet e outros grandes nomes das artes nacionais e mundiais.

As portas de ferro, com até dez centímetros de espessura, são guardadas por seguranças 24 horas por dia. A temperatura não pode passar de 22ºC -no Masp, o ar-condicionado tem filtro contra poluição e pastilhas para conservar a pureza do ar. "É como a sala de operação de um hospital", diz Neves, do Masp. A umidade é controlada por aparelhos e tem que ficar entre 50% e 55%.
 
Logo na entrada da reserva técnica do MAC (Museu de Arte Contemporânea), na USP, estão peças de rara beleza e valor, como o molde em gesso da escultura "Formas Únicas da Continuidade no Espaço", do italiano Umberto Boccioni (1882-1916). Ela era da coleção de Francisco Matarazzo Sobrinho, o "Ciccillo", que nos anos 60 doou suas obras para a inauguração do museu. O valor de uma peça como essa é que a partir dela podem ser feitas até sete esculturas em bronze. Todas são consideradas originais. Depois desse número, o gesso tem que ser quebrado -hoje existem apenas três bronzes.
 
Na reserva do MAC, estão também os moldes em gesso de "Graça I" e "Graça II", de Victor Brecheret (1894-1955). Foram feitos em 1940, e quem serviu de modelo foi a mulher dele, Juranda. As esculturas de bronze feitas a partir deles estão na galeria Prestes Maia, no Centro. Os moldes foram expostos pela última vez em 1992. Somente 3% das 8.000 peças do museu estão expostas. O restante está na reserva.
 
A Pinacoteca do Estado tem 10 mil m 2 no prédio principal e acaba de inaugurar um anexo de cerca de 8.000 m 2. Mesmo assim, somente um terço de suas 6.000 obras está exposto.

Na reserva técnica, ao lado de obras como Volpi e Portinari, estão peças como uma mala cheia de etiquetas que pertenceu à modernista Tarsila do Amaral. Dentro dela estão estojos de tinta, um cavalete -e o vestido de noiva usado pela artista em seu casamento com Oswald de Andrade. Segundo a sobrinha-neta da artista, que também se chama Tarsila, a doação foi feita por dona Liloca, mãe da pintora, logo depois de sua morte, em 1973.
Em uma estante, máscaras mortuárias de artistas como Pedro Alexandrino e Guilherme de Almeida têm sua morada eterna. Algumas têm até cílios, que acabaram ficando presos na cera com que foram feitas. Nunca foram expostas.

O MAM (Museu de Arte Moderna) tem 3.776 obras no acervo. Destas, somente 90 estão expostas no momento, por falta de espaço. E a reserva técnica já está apertada. "Precisaríamos de pelo menos mais 50% de espaço", conta Ana Paula dos Santos Montes, funcionária do acervo. Alguns quadros estão cuidadosamente acomodados sobre blocos de espuma. Nada que lembre a precariedade dos anos 70, quando uma chuva forte inundou a reserva técnica e danificou uma obra de Geraldo de Barros, "Sabonete", hoje já restaurada.

bergamo@folhasp.com.br

COM ALVARO LEME (REPORTAGEM) E CLEO GUIMARÃES



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