São Paulo, terça-feira, 01 de fevereiro de 2005

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ARTES

A partir de hoje, mostra no CCBB carioca exibe 126 peças feitas de restos e pedaços de bonecos pelo artista mineiro

Rio experimenta o desconforto de Farnese de Andrade

Divulgação
A obra "Still Life", que faz parte da mostra "Farnese: Objetos", que começa hoje no CCBB do Rio


DA SUCURSAL DO RIO

O editor Charles Cosac, da Cosac & Naify, conviveu com Farnese de Andrade (1926-1996) nos dois últimos anos de vida do artista. Entre as obras que ganhou do amigo, uma ficava na casa da mãe. Incomodada, ela chegou a cobri-la com um lençol e só ficou aliviada quando a imagem foi levada pelo filho.
A história serve para ilustrar o desconforto que provocam os trabalhos criados por esse mineiro que se radicou no Rio nos anos 50. Sua matéria-prima, colhida em antiquários, ruas e até na beira do mar, eram pedaços de bonecos, ossos, imagens sacras e restos diversos, além de sua própria vida.
"Você pode ver nos trabalhos dele traços de simbolismo, de surrealismo, mas ele não teria disciplina nem queria seguir nenhum "ismo". Sua obra é um diário visual, introspectivo e autobiográfico", afirma Cosac, curador da mostra "Farnese: Objetos", que será aberta amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio.
Embora grande, com 126 peças, a exposição não tem caráter retrospectivo nem esgota, segundo Cosac, a diversidade da produção de Farnese. Desenhos, telas e colagens bidimensionais renderiam outras mostras.
Mas os objetos reunidos (caixas, gamelas, placas, armários, oratórios, colunas, mesas, cadeiras e as peças feitas com resina) já contêm todos os elementos que, obsessivamente, Farnese combinava e recombinava.
"A exposição só é possível porque Farnese morreu. Senão, ele estaria mexendo nas obras. Ele só parava de mexer quando vendia uma, coisa que não gostava de fazer, só fazia por necessidade. Seu trabalho era uma eterna construção e reconstrução", diz Cosac.
Psicótico maníaco-depressivo, tentava, nos embates de seu ateliê, construir-se e reconstruir-se o tempo todo. Não por acaso, a infância era um tema recorrente.
"As obras estão impregnadas dele mesmo. Pais, filhos, frustrações são temas que ele repisou ao longo dos anos. E é assim com qualquer pessoa que reflita sobre a vida", diz o curador.
Há, na exposição, armários e oratórios com fotos de Farnese e sua família. "Mater" e "Pater" são títulos de várias obras. Muitos trabalhos têm bonecos fragmentados, cabeças soltas, imagens sacras em pedaços, insetos em gavetas. O incômodo é inevitável.
"Eu não vejo tristeza nas obras", diz Cosac, cuja editora publicou, em 2002, o livro "Farnese de Andrade", no qual o crítico Rodrigo Naves ressalta a tristeza que vê nos trabalhos. "Acho que o Rodrigo não sofreu o suficiente para entender. O que eu vejo são nossos sentimentos. É uma obra muito democrática, porque afeta a todos, e cada um pode interpretar de acordo com a sua idade, a sua vida", acredita o curador.
Ele também rejeita a idéia, difundida pelo próprio Farnese, de que o artista não gostava de crianças. "Acho que não existe quem não goste de crianças. Mas dois irmãos seus tinham morrido afogados antes de ele nascer, era homossexual e sabia que não tinha inclinação para ser pai. Então, não querer gerar crianças era uma consideração à raça humana."
Por causa de suas obras pouco amenas e seu temperamento pouco sociável, Farnese não conseguiu desenvolver uma carreira comercial contínua. Mesmo entre os críticos, ele sofreu muitas restrições, que prejudicaram seu reconhecimento como artista, segundo Cosac. "É uma obra que precisa ser redescoberta, reapresentada, reconhecida", afirma.
(LUIZ FERNANDO VIANNA)

FARNESE: OBJETOS. Quando: de hoje a 10/4; de ter. a dom., das 10h às 21h. Onde: CCBB do Rio (r. Primeiro de Março, 66, centro, tel. 0/xx/21/3808-2020). A partir de 16 de abril, no CCBB de São Paulo. Quanto: entrada franca.

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