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análise
Vida do autor superou a sua literatura
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
É irônico que, ao
morrer, Sidney
Sheldon passe a
ser lembrado principalmente pelos livros que escreveu e suas vendagens
astronômicas, quando a
sua vida e as coisas que fez
antes de optar pela "literatura", já com 50 anos, são
muito mais interessantes
do que sua obra.
Personagem bem melhor do que qualquer um
que tenha concebido, ele
serviu durante a Segunda
Guerra, fez sucesso na
Broadway (o que lhe valeu
um Prêmio Tony), foi roteirista em Hollywood (e
ganhou um Oscar), criou e
produziu séries para a TV
(pela mais famosa, "Jeannie É um Gênio", foi indicado a um Emmy).
Não é mera coincidência
que a sua autobiografia, "O
Outro Lado de Mim" (ed.
Record, 2005), dedique
praticamente todas as
suas quase 400 páginas
-com a habitual riqueza
de detalhes e a mais habitual ainda pobreza de estilo- à memória desses
eventos, com destaque para a sua convivência com
diretores, atores e atrizes
do período de ouro do cinema americano, e tenha
tão pouco a dizer sobre sua
experiência como escritor.
Na verdade, o próprio
autor não fazia muita idéia
das razões de seus livros
estarem entre os mais
vendidos de todos os tempos. Em uma entrevista
para a Ilustrada na época
do lançamento da autobiografia, ele tentava explicar o fenômeno assim:
"Creio que meu sucesso se
deve ao fato de que escrevo histórias que cativam a
imaginação dos leitores.
Meus romances têm personagens que o público
costuma considerar interessantes, se passam em
lugares glamourosos e geralmente são divertidos".
A fórmula, como se percebe, vale para uma infinidade de outros produtores
de best-sellers.
Recentemente, à mistura de intrigas amorosas e
suspense que sempre esteve presente em seus textos ("O Outro Lado da
Meia-Noite", "O Reverso
da Medalha", "A Ira dos
Anjos" etc.), Sheldon havia acrescentado questões
científicas. Assim, em
"Quem Tem Medo de Escuro?" (ed. Record, 2004),
por exemplo, discutia os
perigos do controle do clima no planeta.
O problema é que basta
abrir qualquer página do
livro, assim como acontecia com os anteriores, para
encontrar frases como:
"Dois minutos depois estavam na cama, e Henry
fazia um amor refinado
com ela. Foi maravilhoso.
Exaustivo. Empolgante".
De qualquer modo, como provavelmente um filme logo virá para comprovar, ninguém pode dizer
que não tenham sido 89
anos muitíssimo bem vividos. Afinal, como escreveu
Bernardo Soares, semi-heterônimo de Fernando
Pessoa, "o êxito está em
ter êxito, não em ter condições de êxito".
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e
Humanidades da USP0-0Leste e autor de
"O Abismo Invertido0-0Pessoa, Borges e
A Inquietude do Romance em "O Ano da
Morte de Ricardo Reis'" (ed. Globo).
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