São Paulo, quinta-feira, 01 de fevereiro de 2007

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análise

Vida do autor superou a sua literatura

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

É irônico que, ao morrer, Sidney Sheldon passe a ser lembrado principalmente pelos livros que escreveu e suas vendagens astronômicas, quando a sua vida e as coisas que fez antes de optar pela "literatura", já com 50 anos, são muito mais interessantes do que sua obra.
Personagem bem melhor do que qualquer um que tenha concebido, ele serviu durante a Segunda Guerra, fez sucesso na Broadway (o que lhe valeu um Prêmio Tony), foi roteirista em Hollywood (e ganhou um Oscar), criou e produziu séries para a TV (pela mais famosa, "Jeannie É um Gênio", foi indicado a um Emmy).
Não é mera coincidência que a sua autobiografia, "O Outro Lado de Mim" (ed. Record, 2005), dedique praticamente todas as suas quase 400 páginas -com a habitual riqueza de detalhes e a mais habitual ainda pobreza de estilo- à memória desses eventos, com destaque para a sua convivência com diretores, atores e atrizes do período de ouro do cinema americano, e tenha tão pouco a dizer sobre sua experiência como escritor.
Na verdade, o próprio autor não fazia muita idéia das razões de seus livros estarem entre os mais vendidos de todos os tempos. Em uma entrevista para a Ilustrada na época do lançamento da autobiografia, ele tentava explicar o fenômeno assim: "Creio que meu sucesso se deve ao fato de que escrevo histórias que cativam a imaginação dos leitores.
Meus romances têm personagens que o público costuma considerar interessantes, se passam em lugares glamourosos e geralmente são divertidos". A fórmula, como se percebe, vale para uma infinidade de outros produtores de best-sellers.
Recentemente, à mistura de intrigas amorosas e suspense que sempre esteve presente em seus textos ("O Outro Lado da Meia-Noite", "O Reverso da Medalha", "A Ira dos Anjos" etc.), Sheldon havia acrescentado questões científicas. Assim, em "Quem Tem Medo de Escuro?" (ed. Record, 2004), por exemplo, discutia os perigos do controle do clima no planeta.
O problema é que basta abrir qualquer página do livro, assim como acontecia com os anteriores, para encontrar frases como: "Dois minutos depois estavam na cama, e Henry fazia um amor refinado com ela. Foi maravilhoso. Exaustivo. Empolgante".
De qualquer modo, como provavelmente um filme logo virá para comprovar, ninguém pode dizer que não tenham sido 89 anos muitíssimo bem vividos. Afinal, como escreveu Bernardo Soares, semi-heterônimo de Fernando Pessoa, "o êxito está em ter êxito, não em ter condições de êxito".


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP0-0Leste e autor de "O Abismo Invertido0-0Pessoa, Borges e A Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (ed. Globo).

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