São Paulo, quarta-feira, 01 de março de 2000


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TELEVISÃO
Filme penetra no espírito dos Filhos de Gandhy

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha

OGNT iniciou a semana carnavalesca com a estréia do sensacional "Filhos de Gandhy", filme documentário que comemora 50 anos do legendário bloco de Carnaval baiano.
A história do Filhos de Gandhy é fascinante por si só. Fundado por 33 estivadores comunistas e namoradores que preferiram excluir as mulheres -segundo eles para evitar brigas e preservar a unidade do grupo-, o bloco mistura referências culturais à missão pacifista do líder indiano, com o repertório musical e religioso do candomblé africano.
O filme salienta a originalidade de um delicioso pastiche filosófico-político-musical. O nome do bloco, segundo um dos fundadores, veio de um jogo de palavras em torno de "Gunga Din", o nome de um filme popular em Salvador, que mostrava a guerra de homens vestidos de branco e turbante contra o exército inglês.
Na década de 40, Mahatma Gandhy liderou um movimento pacifista pela independência da Índia. O bloco homenageia a luta pela paz do líder hindu. E, no destaque, vai Raimundo, que a essa altura já assina Gandhy, óculos, canga branca, sandálias, cabelos cortados ao estilo ascético da celebridade política.
E 50 anos depois, com 12 mil e tantos membros à época do filme, o bloco não pára de crescer. Atento aos detalhes do cotidiano da associação na preparação do desfile, o documentário filmado em película, dirigido por Lula Buarque de Holanda, com a participação de Gilberto Gil, entrevista os atuais dirigentes, assim como vários fundadores que continuam fiéis e convictos participantes do bloco.
"Filhos de Gandhy" revela com delicadeza a emoção de ser membro dessa comunidade sui generis. A lógica da homenagem axé a Ogum, Ocanha, Oxum, Iansã, Obá, Oxalá. Os olhos de Gilberto Gil se enchem de lágrimas ao descrever a sensação de desfilar como parte daquele coletivo vibrante. Uma massa impressionante meio misógina, de homens vestidos com batas longas e turbantes brancos transmite uma idéia de homogeneidade.
Mas "Filhos de Gandhy" vai além do já valioso recuperar a história de uma das instituições do Carnaval da Bahia. O filme penetra, escrutina e estimula o espírito multicultural que inspira seus membros desde o início e que bem se adapta aos tempos de globalização exacerbada.
A equipe da Conspiração filmes levou Raimundo Gandhy, Gilberto Gil e outros participantes do bloco à Índia. O parente baiano do ídolo local foi reverenciado com flores por mulheres vestidas em cores fortes.
Sua semelhança com o libertador da Índia foi reconhecida em encontros filosóficos-musicais onde brasileiros e indianos experimentaram as diferenças e semelhanças de seus instrumentos específicos. A flauta, o violão, o agogô mediaram a conversa e a performance de uma experiência cultural única. E os foliões de Salvador, que no início dos anos 70, quando Gilberto Gil voltou do exílio, quase deixaram de desfilar, vão transcendendo seu jeito de estar no mundo.


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