São Paulo, quarta-feira, 01 de março de 2000


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MULTIMÍDIA
Idéias "dadá" ganham hoje palco em SP

especial para a Folha

Um poema do dadaísta Kurt Schwitters (1887-1948), publicado nas 32 páginas do número 24 da revista "Merz", é a base do espetáculo multimídia de Lucio Agra, pesquisador da vanguarda, levado, de hoje a sexta, ao palco do Instituto Goethe (em SP). A peça une poemas, animações digitais e efeitos sonoros eletrônicos.
Lavoisier sutil e brutalista da arte, biodegradável e impregnada de vida, Schwitters inventou uma poética do detrito. Em pinturas, óperas e poemas, celebrou "o júbilo do objeto", como expressa Haroldo de Campos em ensaio do livro "A Arte no Horizonte do Provável".
Schwitters batizou sua arte de "Merz" (resto subversivo de "Kommerz", pedaço de anúncio colado numa obra) e, reciclando bricabraque do lixo e cacos do cotidiano (bilhetes de bonde, carimbos, barbantes), bolou quadros Merz, poesia Merz e até "eu mesmo, atualmente, me chamo Merz", declarou em 1928.
Com resíduos de frases feitas, clichês e normas de etiqueta, criou "colagens verbais" numa linguagem de despojos e dejetos de signos. Da pré-palavra ao ouvido, passou à "optofonética", pintura escrita do som original. Hans Arp encantou-se com Schwitters recitando a "Sonata Pré-Silábica".
A pesquisa de Schwitters sobre a emanação do vocábulo primitivo durou de 1922 a 1932 e culminou na "Ursonate - Sonata Primordial", na tradução de Haroldo de Campos, que inspira a peça que estréia hoje.
Mesmo entre os dadaístas, a experiência (cuja fonte foi a tipografia de Raoul Hausmann) soou controversa, acusada de corromper o poema sonorista numa forma antiga.
Mas Schwitters lançava dados fecundos para um jogo básico da arte contemporânea: ordem x caos. Os blocos de ruídos e sons ancestrais são organizados em timbres e durações, uma das matrizes da música concreta de Pierre Schaeffer e Karlheinz Stockhausen.
Bricolagem de Dadá e Bauhaus, vovô alemão de Hélio Oiticica e irmão atrevido de Duchamp, Schwitters cultivou o gosto pelo construtivismo russo e o neoplasticismo holandês como filtro de rigor contra o desbragado vale-tudo que poderia tragar o objeto tornado arte. Ver e ouvir sua "Ursonate - Sonata Primordial" é um privilégio que nos dá o presente: tempo da liberdade de imaginação e prazer de produzir.
(CARLOS ADRIANO)


Espetáculo: Ursonate - Sonata Primordial Quando: de hoje a sexta-feira, às 21h Onde: Instituto Goethe (r. Lisboa, 974, tel. 0/xx/11/280-4288) Quanto: R$ 10 e R$ 5

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