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LITERATURA/CRÍTICA
Gutierrez mostra Cuba para estômagos fortes
CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Se fosse um agente norte-americano infiltrado, é possível que o cubano Pedro Juan Gutierrez não causasse tantos estragos na ilha de Fidel Castro quanto
o faz sendo escritor. Mesmo os fãs
mais ardorosos de Cuba sairão assombrados da leitura de "O Rei de
Havana", seu segundo livro lançado no Brasil.
O primeiro foi "Trilogia Suja de
Havana"; ano passado, publicaria, na Espanha (não publica em
Cuba), "Animal Tropical". Nos
três, a mesma obsessão: retratar a
gente miserável de Havana, motivação da revolução comandada
por Castro, hoje obrigada a fazer
de tudo para sobreviver, sob o
embargo imposto pelos EUA.
Em nenhum momento menciona a política. No entanto sua crítica é devastadora. O significado de
"excluído" fica claro na ilha onde
este termo não deveria existir. Às
margens do circuito turístico e
dos dólares, se move uma população suja e famélica que perdeu o
limite entre homem e animal.
Causa até curiosidade como o
regime consegue controle tal ao
ponto de fazer os dólares circularem em apenas uma parte do país,
deixando a outra "comunista" e
descapitalizada; a população acaba empurrada para a criminalidade, única maneira de burlar o
"apartheid" do dólar na ilha.
O protagonista Reynaldo, o
"Rey" de Havana, é um adolescente que perde de forma trágica a
família -uma mãe louca que espancava as crianças, uma avó muda, o apartamento "mais porco do
edifício inteiro", e um irmão, essa
a grande perda.
Depois de fugir do reformatório
para onde é enviado, Rey vaga por
Havana em direção a seu destino.
As poucas vezes em que tem sorte
são ofuscadas pelas outras tantas
em que, maltrapilho e morto de
fome, pede esmola, rouba ou só fica de estômago vazio, mesmo.
Encontra o amor na figura de
Magdalena, mulata, esquálida e
fétida como ele próprio. Gutierrez
não economiza detalhes nas cenas
de alto teor erótico em que as descrições não raro repugnantes dos
corpos de um e de outro, já experimentadas na "Trilogia" e que
lhe fizeram ganhar o título de
"Bukowski tropical", são quase
um exagero. É preciso ter o estômago forte.
Despudorado, descarado, o autor experimenta de tudo: Rey se
envolve com um travesti, com
uma velha, com uma deficiente
mental. As aventuras do menino
de rua "habanero" não deixam o
leitor recuperar o fôlego, sempre
com a esperança de que as coisas
vão melhorar. Não vão.
O final é terrível, triste, desesperançado, absurdo. Quem leu a
"Trilogia" vai achar que Gutierrez
já se repete um pouco neste romance, ainda assim fascinante
por mostrar mais da Cuba que
não aparece nos postais. Por isso
talvez não faça tanta diferença para ele publicar por lá ou não: essa
realidade o cubano já conhece.
Para os que lêem fora da ilha,
porém, é contrapropaganda pura.
É incrível como ainda permitem
que um agente tão perigoso continue a viver por lá.
O Rei de Havana
El Rey de la Habana
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Pedro Juan Gutierrez
Tradutor: José Rubens Siqueira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 26 (228 págs.)
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