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Morre, aos 95, o bibliófilo José Mindlin
Empresário, que ergueu a maior biblioteca privada do Brasil, estava internado desde janeiro no Albert Einstein
Acervo de 38 mil
exemplares começou a ser
constituído em 1927; obras
brasileiras serão
transferidas para a USP
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os livros perderam, ontem,
um de seus seguidores mais
fiéis. José Mindlin, o empresário que atravessou a vida na
companhia da leitura, morreu
ontem, de falência múltipla de
órgãos, no hospital Albert Einstein. Internado desde 9 de janeiro, o bibliófilo, que tinha 95
anos, passou os últimos dias sedado. Pouco antes de perder a
consciência, em conversa com
o neto Rodrigo Mindlin Loeb,
quis saber como andavam as
obras no prédio que abrigará a
biblioteca Brasiliana, que doara
para a USP.
"Trata-se da concretização
de um projeto de vida de difundir cultura e literatura para toda a população", disse Loeb, no
enterro, ocorrido no cemitério
Israelita, no bairro da Vila Mariana. À cerimônia compareceram políticos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador José Serra e
a prefeita Marta Suplicy, e intelectuais, como Antonio Candido e o chanceler Celso Lafer.
É que, apesar de ter adquirido fama pública, sobretudo, por
ter erguido uma das maiores bibliotecas privadas do mundo,
Mindlin era uma dessas personalidades capazes de dividir-se
entre diferentes gostos e atividades. Foi empresário de proa e
personagem político.
Atuação pública
Um dos mais conhecidos episódios de sua vida pública deu-se nos anos da ditadura militar.
Secretário de Cultura do Estado de São Paulo, recusou-se a
demitir, da TV Cultura, o jornalista Vladimir Herzog, depois
assassinado no DOI-Codi.
Mindlin não era homem de
se curvar. Pediu demissão da
presidência do Conselho de
Orientação do IPT (Instituto
de Pesquisas Tecnológicas), em
1997, por discordar da interferência do governo Mário Covas
na eleição do Sebrae. Manteve
o silêncio quando perdeu a eleição para a presidência do Masp,
em 1994, para Júlio Neves.
Tampouco costumava vangloriar-se.
Na obra de memórias "Uma
Vida entre Livros" (Edusp/
Companhia das Letras), começa dizendo: "Este livro tem uma
história que precisa ser contada, nem que seja para explicar
e, se possível, justificar que eu
fique tanto tempo falando de
mim mesmo." Discreto, queria
apenas falar de livros. Sobre a
própria história, o que mais dizia era que, aos 13 anos, adquirira a primeira obra rara.
Filho de um dentista com fama de ser "o melhor de São
Paulo", cursou a faculdade de
Direito do Largo São Francisco,
mas teve carreira fugaz como
advogado. Em 1950, participou,
com a família, da fundação da
Metal Leve, indústria de autopeças que, em 1996, foi vendida
para um conglomerado.
Entre as atividades empresariais e a vida pública, Mindlin
encaixava a sua obsessão. Com
a mulher Guita, com quem casou-se em 1938, correu o mundo atrás de livros que desejava poder tocar. Comprou a primeira
edição ilustrada do poeta italiano Francesco Petrarca, de 1488,
as primeiras versões anotadas
de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, além de documentos, mapas, cartas, enfim, tudo
o que era letra impressa.
Parte desse mundo terá como destino a biblioteca Brasiliana, na USP, composta por 17
mil títulos e 40 mil volumes,
doada pela família em 1999. O
prédio que abrigará o acervo está em obras e deve ser aberto
dentro de pouco mais de um
ano. "Nossa amargura é que o
doutor José [Mindlin] não tenha visto a obra pronta", diz
Pedro Puntoni, coordenador
do projeto. Alguns livros já podem ser vistos, em versão digitalizada, no site da Brasiliana.
Colecionador que era, antes
de tudo, um leitor, Mindlin
sempre manteve as portas de
sua casa abertas para pesquisadores e estudantes. "Os livros são para serem lidos", repetia. Costumava também dizer que "inocular o vírus [da
leitura] é algo que procurou
fazer a vida inteira, "ora com
sucesso, ora sem resultado."
Na cerimônia que antecedeu o enterro, ontem à tarde, o
rabino Michel Schlesinger
lembrou que Mindlin era
bem-humorado, contava piadas e gostava de comer - principalmente sobremesas como
chocolate e marzipã. Mas seu
vício era outro. Nas memórias,
o bibliófilo diz que, para seu
próprio sossego, resolveu admitir que o que tinha era mesmo uma doença. "Mas uma
doença que me fazia sentir
bem, ao contrário das outras, e
que, além do mais, era incurável."
COLABOROU Luiza Fecarotta, da Reportagem
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