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É TUDO VERDADE
Filme vê esperanças e infortúnios de jovens sul-americanos levados para clube da quarta divisão italiana
"Sonhos de Bola" colhe dramas do futebol-mercado
DA REPORTAGEM LOCAL
O sonho de um Eldorado de
oportunidades e histórias de
empreitadas em que sucesso e fracasso caminham lado a lado são
fórmulas que já renderam ótimos
filmes. "Sonhos de Bola" aplica
tudo isso à realidade mercantilista
do futebol, e o resultado é tocante.
Os diretores César Meneghetti,
brasileiro radicado na Itália, e Elisabetta Pandimiglio têm nas
mãos a história de um grupo de
jovens argentinos e uruguaios
-todos com passaporte italiano-, encaminhados para a Fiorenzuola, um obscuro time da
quarta divisão italiana, por uma
empresa de agentes esportivos.
A lógica é simples. Movidos por
salários que não teriam em seus
países e pela perspectiva de jogar
em grandes clubes europeus, os
habilidosos sul-americanos usariam o clube como "escada".
Os dirigentes teriam altas possibilidades de lucro por um baixo
investimento e, como todos têm
passaporte, não há impedimento
legal na idéia de coalhar o time de
estrangeiros -distorção criada
pela Lei Bosman, de 1995.
E assim os rapazes -entre eles
um sobrinho de Schiaffino, uruguaio que fez um dos gols que
derrotaram o Brasil na final da
Copa de 50, no Maracanã- vão
para uma espécie de fim do mundo, trabalhando duro e tentando
desviar o tédio e a impaciência,
enquanto enfrentam dificuldades
de qualquer timinho do interior.
Há protagonistas célebres, como o ex-jogador italiano Aldo
Graziani, que surge como consultor esportivo da empresa, e o artilheiro da Copa de 1978, o craque
argentino Mario Kempes, que se
torna treinador da equipe.
A câmera começa como cúmplice da idéia. Colhe as propostas
do dono do clube, os sonhos dos
jogadores. Tudo parece cansativo
e oficial, até que a história começa
a dar errado por dois motivos.
Além dos preconceitos contra
os sul-americanos, reflexos do
neo-nacionalismo que cresce na
Europa unificada, surge, acima de
tudo, uma semelhança que a Itália
guarda com o Brasil no jeitinho.
Quando as coisas começam a
fugir do controle, a direção abandona sua cumplicidade inicial e se
torna testemunha de discussões
entre o grupo. Tem-se, a partir
daí, um "reality show" que acompanha uma busca de vilões e de
justificativas, mas sem efetuar
qualquer julgamento até que a situação se cristalize.
A trama do média-metragem
-pouco mais de uma hora- é
tão bem arquitetada e editada que
se custa acreditar que a realidade
foi apenas acompanhada. Mas,
quando se recorda que os negócios no futebol normalmente se
dão sob uma névoa de segundas
intenções, o desfecho não deixa
de ser, de certa forma, previsível.
"Sonhos de Bola" tem o mérito
de fuçar uma boa história com
um tino quase jornalístico e, sem
dúvida, um pouco de sorte. Dois
ingredientes indispensáveis para
bons documentários.
O filme conta com uma excelente trilha sonora de Mintcho Garammone, que deixa um bandoneón lamentar uma valsa entre a
Argentina e a Sicília, e se encerra
com uma "prorrogação" que dá
ainda mais sentido à história.
O espectador é apresentado à
carreira de Kempes, atleta que fez
história ao dar aos argentinos sua
primeira Copa do Mundo, em casa, durante a ditadura local.
(MÁRVIO DOS ANJOS)
Sonhos de Bola
Sogni di Cuoio
Direção: César Meneghetti e Elisabetta
Pandimiglio
Quando: hoje, às 19h, e domingo, às
22h30, no Cinesesc
Quanto: entrada franca
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