São Paulo, sexta-feira, 01 de abril de 2005

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É TUDO VERDADE

Filme vê esperanças e infortúnios de jovens sul-americanos levados para clube da quarta divisão italiana

"Sonhos de Bola" colhe dramas do futebol-mercado

DA REPORTAGEM LOCAL

O sonho de um Eldorado de oportunidades e histórias de empreitadas em que sucesso e fracasso caminham lado a lado são fórmulas que já renderam ótimos filmes. "Sonhos de Bola" aplica tudo isso à realidade mercantilista do futebol, e o resultado é tocante.
Os diretores César Meneghetti, brasileiro radicado na Itália, e Elisabetta Pandimiglio têm nas mãos a história de um grupo de jovens argentinos e uruguaios -todos com passaporte italiano-, encaminhados para a Fiorenzuola, um obscuro time da quarta divisão italiana, por uma empresa de agentes esportivos.
A lógica é simples. Movidos por salários que não teriam em seus países e pela perspectiva de jogar em grandes clubes europeus, os habilidosos sul-americanos usariam o clube como "escada".
Os dirigentes teriam altas possibilidades de lucro por um baixo investimento e, como todos têm passaporte, não há impedimento legal na idéia de coalhar o time de estrangeiros -distorção criada pela Lei Bosman, de 1995.
E assim os rapazes -entre eles um sobrinho de Schiaffino, uruguaio que fez um dos gols que derrotaram o Brasil na final da Copa de 50, no Maracanã- vão para uma espécie de fim do mundo, trabalhando duro e tentando desviar o tédio e a impaciência, enquanto enfrentam dificuldades de qualquer timinho do interior.
Há protagonistas célebres, como o ex-jogador italiano Aldo Graziani, que surge como consultor esportivo da empresa, e o artilheiro da Copa de 1978, o craque argentino Mario Kempes, que se torna treinador da equipe.
A câmera começa como cúmplice da idéia. Colhe as propostas do dono do clube, os sonhos dos jogadores. Tudo parece cansativo e oficial, até que a história começa a dar errado por dois motivos.
Além dos preconceitos contra os sul-americanos, reflexos do neo-nacionalismo que cresce na Europa unificada, surge, acima de tudo, uma semelhança que a Itália guarda com o Brasil no jeitinho.
Quando as coisas começam a fugir do controle, a direção abandona sua cumplicidade inicial e se torna testemunha de discussões entre o grupo. Tem-se, a partir daí, um "reality show" que acompanha uma busca de vilões e de justificativas, mas sem efetuar qualquer julgamento até que a situação se cristalize.
A trama do média-metragem -pouco mais de uma hora- é tão bem arquitetada e editada que se custa acreditar que a realidade foi apenas acompanhada. Mas, quando se recorda que os negócios no futebol normalmente se dão sob uma névoa de segundas intenções, o desfecho não deixa de ser, de certa forma, previsível.
"Sonhos de Bola" tem o mérito de fuçar uma boa história com um tino quase jornalístico e, sem dúvida, um pouco de sorte. Dois ingredientes indispensáveis para bons documentários.
O filme conta com uma excelente trilha sonora de Mintcho Garammone, que deixa um bandoneón lamentar uma valsa entre a Argentina e a Sicília, e se encerra com uma "prorrogação" que dá ainda mais sentido à história.
O espectador é apresentado à carreira de Kempes, atleta que fez história ao dar aos argentinos sua primeira Copa do Mundo, em casa, durante a ditadura local.
(MÁRVIO DOS ANJOS)


Sonhos de Bola
Sogni di Cuoio
   
Direção: César Meneghetti e Elisabetta Pandimiglio
Quando: hoje, às 19h, e domingo, às 22h30, no Cinesesc
Quanto: entrada franca


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