São Paulo, quarta, 1 de abril de 1998

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FADO
A portuguesa Mísia utiliza textos de escritores em suas músicas
Cantora volta a Lisboa depois de conquistar França e Japão

CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial a Lisboa

Pergunte a um taxista português quem é Mísia e ele responderá que não sabe onde é que isso fica. A cena se repete por toda Lisboa, com diferentes interlocutores.
Uma das maiores revelações do fado contemporâneo, a cantora portuguesa conquistou espaços de grande destaque na França, na Espanha e no Japão.
Teve destino "amaldiçoado", como costuma dizer, em Portugal. Somente no último fim-de-semana Mísia fez sua primeira grande apresentação em Lisboa. E com casa cheia.
Fincou o repertório de seu disco mais recente, "Garras do Sentido", no palco do pomposo auditório da instituição cultural Culturgest.
Mais do que em sua garganta de modulação mediana do que na competência sóbria dos cinco músicos que a acompanharam, ou do que em recursos cênicos sofisticados, a cantora buscou suas centenas de aplausos usando a sofisticação portuguesa com a trama das palavras.

Literatura
Mísia canta em seus fados, de consistência musical bastante fiel à tradição do gênero, apenas textos de escritores como Fernando Pessoa, Mário Sá-Carneiro, José Saramago e Antonio Lobo Antunes.
Canta sobretudo o modo como esses autores descreveram o amor (ainda que reproduza o verso "Não quero cantar amores nem falar de seus motivos.").
A cantora de franja morena, de olhos verdes como os pintados pelo italiano Amadeo Modigliani, sem muito espaço para o branco, fala bastante sobre a sua paixão pelo fado.
Mas Mísia deixa claro, em suas canções, que seu grande amor é mesmo pela literatura.
Economiza gestos, se veste de negro (cor do figurino de todos os músicos), usa iluminação e, mais do que tudo, canções essencialmente tradicionais para jogar no centro do espetáculo a palavra literária.
Mísia tem 42 anos. Mas ela conta que seu apego pelas raízes musicais e literárias de seu país só começou quando ela estava "no alto do tronco", morando fora de Portugal.

De ponta-cabeça
Era longe do solo, aliás, que Mísia gostava de ficar quando era "miúda".
A cantora ainda se chamava Susana Maria Alfonso de Aguiar e queria ser trapezista. Mísia passou boa parte de sua infância de ponta-cabeça.
Hoje, mais do que nunca, ela quer deixar os seus pés na terra. De preferência em chão português.
Para isso, terá que fazer o que está na letra de um dos fados que ela canta, "Estátua Falsa". Há de esquecer que é, ou era, esquecida.
"As sombra não perduram. Ontem para mim já é distância", diz o texto de Mário Sá-Carneiro.


O jornalista Cassiano Elek Machado viaja a Lisboa a convite do Icep, Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal.



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