São Paulo, quarta-feira, 01 de maio de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"O CONDE DE MONTE CRISTO"

Nova adaptação do clássico de Alexandre Dumas é prejudicada por tom carregado do elenco

Ação e farsa liberam canastrice dos atores

CRÍTICO DA FOLHA

Foi em busca de uma das primeiras versões mudas de "O Conde de Monte Cristo", provavelmente a de 1922 (dirigida por Emmett J. Flynn), e não a de 1913 (co-dirigida por Edwin S. Porter), memória de sua infância, que o célebre Henri Langlois iniciou a coleção que viria a se tornar, em 1936, a Cinemateca Francesa.
A imagem que marcou a infância de Langlois era a da dor muda, uma pura afecção, do célebre personagem de Alexandre Dumas (pai), Edmond Dantès, diante da vil injustiça a que era confrontado. Atraiçoado pelo melhor amigo, o ingênuo Dantès perdia a inocência para deixar nascer em seu lugar o desejo de vingança.
A inocência perdida de Dantès e sua dor inominável pertencem, elas próprias, à era de afecções do primeiro cinema, era cujos rastros Langlois tentou recuperar.
Desde então, "O Conde de Monte Cristo" já rendeu, ao menos, 20 outras versões (só na década de 50 foram seis), inclusive uma série televisiva (formato que parece se adequar melhor ao calhamaço de Dumas) brasileira, "Eu Compro Esta Mulher" (1966).
Dantès continuou inocente, mas os espectadores e os produtores já não mais: invariavelmente nas mãos dos americanos, usualmente limitados ao sentido da ação das histórias que contam, o clássico de Dumas reduziu-se, cada vez mais esquematicamente, à encenação do puro desejo de vingança de seu protagonista.
Foi assim que, historicamente, Dantès transformou-se de fato no Conde de Monte Cristo, seu alter ego vingativo. O curioso desta nova versão da história que entra em cartaz na cidade, a primeira do novo século, é o ar de superprodução que o filme ganha a partir do momento em que Dantès transforma-se no conde.
As duas primeiras sequências do conde são uma grande festa de apresentação em Paris e um baile de Carnaval em Roma. É como se a maior parte do orçamento da produção fosse destinada a encenar e celebrar a vingança do conde.
O inusitado da encenação, desse "grande teatro" dirigido pelo Conde de Monte Cristo, é que ela parece acentuar, talvez até propositadamente, a já marcante impostura do elenco, a começar pela versão canastrona do conde criada pelo ator James Caviezel.
A farsa libera a canastrice dos atores e quanto mais a adaptação adere ao novelesco, mais estes escorregam no tom. Não bastasse o tempo já ter destituído de seu real sentido a maior parte das palavras entoadas por eles, palavras que ecoam temas perdidos do romance, como o conflito entre "sangue" e trabalho (nobreza e burguesia), entre desígnio divino e ação humana, entre iluminismo e irracionalismo, que não se fazem aqui secundários porque datados, mas para constituir o fundo falso de um filme cujo único verdadeiro sentido é a ação (de vingança) por ela mesma.
(TIAGO MATA MACHADO)


O Conde de Monte Cristo
The Count of Monte Cristo
 
Direção: Kevin Reynolds
Produção: EUA/Reino Unido, 2002
Com: James Caviezel, Guy Pearce
Quando: a partir de hoje nos cines Villa-Lobos, Central Plaza, Continental, Interlagos, Ipiranga e circuito




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