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CINEMA
Jonathan Nossiter foi atacado na França e nos EUA após lançar "Mondovino", que chega ao Brasil na próxima sexta
Diretor passa a limpo a máfia do vinho
LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REDAÇÃO
Todo círculo de negócios tem
segredos que só os envolvidos conhecem. No mundo do vinho não
é diferente, mas daí a imaginar
que dele fariam parte um cachorro que peida e simpatizantes do
nazismo vai grande diferença.
O cineasta americano Jonathan
Nossiter ("Signos e Desejos") não
sabia que iria encontrar tantos tipos curiosos ao se propor a percorrer seis países, durante quase
dois anos, para desvendar a máfia
do vinho em seu "Mondovino",
que estréia na próxima sexta no
Brasil. "Eu me senti como um detetive particular", conta ele.
Nossiter é filho de jornalista
-"esse é meu terroir", diz, brincando com o termo usado para falar das características do solo.
Morando no Rio com a fotojornalista Paula Prandini, com quem
teve gêmeas em abril, adotou o
modo de viver brasileiro: "Aqui
há uma tolerância que está sendo
cerceada no resto do mundo".
Ele crê que conseguiu declarações bombásticas porque "as pessoas baixaram a guarda": "O vinho nunca foi sério. Por isso há
tanto espaço para cachorros que
peidam e assessores de imprensa". Leia a seguir trechos da entrevista por telefone à Folha.
Folha - Como define seu filme?
Jonathan Nossiter - Acho que é
uma comédia humanista, inspirada em Balzac. Fala sobre pessoas
de todas as classes econômicas e
sociais, de 120 culturas diferentes.
É um encontro louco, quase uma
telenovela sobre a globalização. É
uma proposição de um mundo
imaginário povoado por cachorros e assessores de imprensa.
Folha - Por que essa obsessão
com essas duas coisas?
Nossiter - Os assessores das multinacionais estão lá para enganar.
No mundo de hoje, há sempre um
guarda. Às vezes era um cachorro,
às vezes era um assessor de imprensa. Estou pensando agora:
acho que não há um só lugar em
que havia os dois juntos...
Folha - Como foram as filmagens?
Nossiter - Fiz uma aventura ao
redor do mundo. No mesmo dia,
ia de um palácio de um poderoso
marquês a um jantar na casa humilde de um camponês. Tive a
impressão de ser como um detetive particular, descobrindo segredos desse mundo mafioso.
Folha - Você acha que seu filme
pode ser considerado um "Fahrenheit 11 de Setembro" do vinho?
Nossiter - Não, acho que o filme
de Michael Moore é a construção
de um argumento político e nada
mais. Tem uma idéia que ele quer
colocar na sua cabeça e você fica
como um refém, obrigado a aceitar o ponto de vista dele. "Mondovino" pode ser até pior como filme, mas dialoga com o público.
Folha - Como foram as reações
dos críticos e das vinícolas?
Nossiter - Nunca imaginei que o
filme, que era um projeto humilde, pudesse ter reações tão fortes.
"Mondovino" é o espelho do
mundo, porque o vinho é civilização. Mas também é o espelho das
pessoas que o fazem. O filme fala
do vinho para falar do mundo.
Não é um curso de degustação. A
menos que se queira uma degustação de pessoas. É uma meditação do estado das culturas e dos
problemas da sobrevivência das
dignidades individuais em um
mundo que está homogeneizando tudo. Quis mostrar que há um
espírito de resistência no mundo.
Folha - E as más reações?
Nossiter - As grandes corporações estão acostumadas com puxa-sacos da pior ordem. Tive a
oportunidade de ver na intimidade os sistemas de poder das famílias. O vinho não é a indústria de
armas ou farmacêutica, então eles
não viram a necessidade de se
protegerem. Mas o que essas pessoas não gostam no filme foi o que
elas mesmas falaram. O que as feriu foi ver suas próprias mentiras.
Folha - E nos EUA?
Nossiter - Não reconheço mais
esse país. Virou um local de intolerância total ao olhar do outro.
Um jornalista chegou a dizer que
eu fui responsável por atos de terrorismo [risos]. Foi absurdo. Mas
é o espelho da cultura de Bush.
Folha - Como foi a relação com os
personagens do filme?
Nossiter - Seria impossível criá-los. Vou tentar copiá-los no próximo filme. Quero repetir a mesma liberdade que tive em "Mondovino". Já comecei a escrever,
mas só o que decidi até agora é
que vai ser sobre o Brasil.
Folha - Por que você escolheu começar e terminar o filme no Brasil?
Nossiter - Amo o Brasil. Na confusão mundial de hoje, vejo mais
possibilidades aqui. Aqui há a
proposta de querer participar do
mercado mundial, mas sem trair
a identidade nacional.
Folha - O que você acha da popularização do vinho hoje?
Nossiter - Quero que aumente.
Acho que agora é o pior e o melhor momento da história do vinho. Mas quem descobre a beleza
do vinho hoje não acredita que a
escolha dele é um ato político.
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