São Paulo, domingo, 01 de maio de 2005

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CINEMA

Jonathan Nossiter foi atacado na França e nos EUA após lançar "Mondovino", que chega ao Brasil na próxima sexta

Diretor passa a limpo a máfia do vinho

LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REDAÇÃO

Todo círculo de negócios tem segredos que só os envolvidos conhecem. No mundo do vinho não é diferente, mas daí a imaginar que dele fariam parte um cachorro que peida e simpatizantes do nazismo vai grande diferença.
O cineasta americano Jonathan Nossiter ("Signos e Desejos") não sabia que iria encontrar tantos tipos curiosos ao se propor a percorrer seis países, durante quase dois anos, para desvendar a máfia do vinho em seu "Mondovino", que estréia na próxima sexta no Brasil. "Eu me senti como um detetive particular", conta ele.
Nossiter é filho de jornalista -"esse é meu terroir", diz, brincando com o termo usado para falar das características do solo. Morando no Rio com a fotojornalista Paula Prandini, com quem teve gêmeas em abril, adotou o modo de viver brasileiro: "Aqui há uma tolerância que está sendo cerceada no resto do mundo".
Ele crê que conseguiu declarações bombásticas porque "as pessoas baixaram a guarda": "O vinho nunca foi sério. Por isso há tanto espaço para cachorros que peidam e assessores de imprensa". Leia a seguir trechos da entrevista por telefone à Folha.

 

Folha - Como define seu filme?
Jonathan Nossiter -
Acho que é uma comédia humanista, inspirada em Balzac. Fala sobre pessoas de todas as classes econômicas e sociais, de 120 culturas diferentes. É um encontro louco, quase uma telenovela sobre a globalização. É uma proposição de um mundo imaginário povoado por cachorros e assessores de imprensa.

Folha - Por que essa obsessão com essas duas coisas?
Nossiter -
Os assessores das multinacionais estão lá para enganar. No mundo de hoje, há sempre um guarda. Às vezes era um cachorro, às vezes era um assessor de imprensa. Estou pensando agora: acho que não há um só lugar em que havia os dois juntos...

Folha - Como foram as filmagens?
Nossiter -
Fiz uma aventura ao redor do mundo. No mesmo dia, ia de um palácio de um poderoso marquês a um jantar na casa humilde de um camponês. Tive a impressão de ser como um detetive particular, descobrindo segredos desse mundo mafioso.

Folha - Você acha que seu filme pode ser considerado um "Fahrenheit 11 de Setembro" do vinho?
Nossiter -
Não, acho que o filme de Michael Moore é a construção de um argumento político e nada mais. Tem uma idéia que ele quer colocar na sua cabeça e você fica como um refém, obrigado a aceitar o ponto de vista dele. "Mondovino" pode ser até pior como filme, mas dialoga com o público.

Folha - Como foram as reações dos críticos e das vinícolas?
Nossiter -
Nunca imaginei que o filme, que era um projeto humilde, pudesse ter reações tão fortes. "Mondovino" é o espelho do mundo, porque o vinho é civilização. Mas também é o espelho das pessoas que o fazem. O filme fala do vinho para falar do mundo. Não é um curso de degustação. A menos que se queira uma degustação de pessoas. É uma meditação do estado das culturas e dos problemas da sobrevivência das dignidades individuais em um mundo que está homogeneizando tudo. Quis mostrar que há um espírito de resistência no mundo.

Folha - E as más reações?
Nossiter -
As grandes corporações estão acostumadas com puxa-sacos da pior ordem. Tive a oportunidade de ver na intimidade os sistemas de poder das famílias. O vinho não é a indústria de armas ou farmacêutica, então eles não viram a necessidade de se protegerem. Mas o que essas pessoas não gostam no filme foi o que elas mesmas falaram. O que as feriu foi ver suas próprias mentiras.

Folha - E nos EUA?
Nossiter -
Não reconheço mais esse país. Virou um local de intolerância total ao olhar do outro. Um jornalista chegou a dizer que eu fui responsável por atos de terrorismo [risos]. Foi absurdo. Mas é o espelho da cultura de Bush.

Folha - Como foi a relação com os personagens do filme?
Nossiter -
Seria impossível criá-los. Vou tentar copiá-los no próximo filme. Quero repetir a mesma liberdade que tive em "Mondovino". Já comecei a escrever, mas só o que decidi até agora é que vai ser sobre o Brasil.

Folha - Por que você escolheu começar e terminar o filme no Brasil?
Nossiter -
Amo o Brasil. Na confusão mundial de hoje, vejo mais possibilidades aqui. Aqui há a proposta de querer participar do mercado mundial, mas sem trair a identidade nacional.

Folha - O que você acha da popularização do vinho hoje?
Nossiter -
Quero que aumente. Acho que agora é o pior e o melhor momento da história do vinho. Mas quem descobre a beleza do vinho hoje não acredita que a escolha dele é um ato político.


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