São Paulo, domingo, 01 de maio de 2005

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"EDIFÍCIO MASTER"

"Talk show" garimpa poesia de todos

MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Tive o prazer de conhecer uma das 37 pessoas entrevistadas em "Edifício Master". Foi muito antes de rodarem o documentário de Eduardo Coutinho, que observa o mosaico de vidas de um prédio em Copacabana.
No cinema, aquela pessoa ganhou contornos diferentes, embora não contasse nada de mais -apenas falava de sua vida e do que considerava o mais interessante nela. Na sala, alguém exclamou: "Que personagem fantástico!". E eu recuperava da lembrança o óbvio que não tinha visto.
A magia de "Edifício Master" é justamente a de garimpar, em cada conjugado, a poesia, o personagem, a imperdível história que cada pessoa leva consigo.
Coutinho arma seu "talk show" a partir do que chama de invasão: a câmera parte do corredor e adentra o apartamento ambientando o espectador, que espera um novo verbete da classe média.
Amarradas pelo mesmo lugar geográfico -o tal Master, onde a equipe de Coutinho se instalou para pesquisas e filmagens-, as vidas trazem em comum o fato de reagirem, na maioria das vezes em solidão, à força opressora da metrópole chamada Copacabana. Mas podia ser São Paulo.
E aí, dentro de uma ótica drummondiana, a poesia se extrai do cotidiano. Há a senhora que não se matou porque tinha contas a pagar num magazine; há o homem sempre grato ao patrão que o deixou viajar para ver a mãe morrer; há o casal de idosos que se conheceu pelos classificados.
Apaixonar-se por esses "personagens" não é difícil. Tanto que os extras que acompanham o DVD parecem ser uma continuação necessária do longa.
No disco alternativo, há as primeiras entrevistas da equipe de produção com os moradores do prédio. É quando as pessoas se revelam, ou se escondem. E até a versão comentada é interessante como poucas, porque volta e meia Coutinho deixa escapar o que aconteceu com tal pessoa meses depois da realização.
Se coube ao documentarista permitir o fluxo de realidade para depois editá-lo, é preciso reconhecer nele sua verve de poeta. Um dos entrevistados o recebe em seu humilde lar com um lanchinho, e, com sua simples inclusão no filme, a gentileza ganha uma eloqüência colossal.
É assim que Coutinho opera o seu milagre: quando foca o sincero, o banal e o patético, é para devolver ao espectador a certeza de que é tudo humano e belo -e que não devia parecer tão estranho.
Claro que haverá os reducionistas que, habituados aos "Matrix" da vida, verão monotonia na estética de poucas variações de câmera. Sem falar nos que vêem semelhanças entre a proposta do filme e os "arquivos confidenciais" de tantos domingões piegas.
Normal. O Master passou anos sendo só um edifício em Copacabana, antes de virar obra-prima.


Edifício Master
    
Direção: Eduardo Coutinho
Distribuidora: Videofilmes; R$ 40, em média


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