São Paulo, sexta, 1 de maio de 1998

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Ficamos na miséria, diz professora

da enviada a São Petersburgo

Para lidar com a falta de recursos financeiros desencadeada pelo fim do regime comunista, o diretor do Ballet Kirov, Makhar Vaziev, sabe que é importante manter o grupo em circulação pelo mundo.
"Seria mais interessante permanecer em São Petersburgo, criando novas obras em ritmo normal. Mas nossa realidade financeira exige que as companhias de balé e ópera do teatro Mariinski mantenham uma agenda de viagens", diz Vaziev, referindo-se à fonte econômica que lhe permite "driblar" o orçamento.
Felizmente, o padrão de qualidade do Kirov ainda eletriza platéias. No grupo que gerou estrelas como Nijinski, Anna Pavlova, Nureyev e Baryshnikov, ainda há muitos bailarinos extraordinários, treinados para interpretar, com estilo único, as obras-primas do balé clássico.
Para a professora do Kirov, Ninel Kurgapkina, 69 anos, o que faz o bailarino russo especial são as raízes, a tradição. "Ser bailarino na Rússia sempre significou muito prestígio. Acho que há algo na natureza, no caráter dos russos, que lhes permite dançar com facilidade, expressando sua riqueza interior."
Depois de dançar durante 33 anos, Kurgapkina tornou-se uma das professoras mais sábias e respeitadas da Rússia. Nascida em São Petersburgo, ela nunca pensou em deixar seu país.
"Na Rússia se diz que, tendo-se o bem, não é preciso buscá-lo. Amo meu país, o teatro onde trabalho e a convivência com tantos bailarinos perfeitos. Quanto à falta de dinheiro, não se pode ganhar tudo o que se quer, tampouco levá-lo para a tumba. Pagam-me tanto quanto eu posso gastar e estou satisfeita com minha vida", comenta Kurgapkina.
Apesar dos problemas financeiros, Kurgapkina acha que a Rússia está melhor. "Minha geração ficou na miséria. Trabalhamos a vida toda e ficamos sem nada. Hoje, se eu não tivesse meu trabalho, seria uma catástrofe. Porém a atual situação nos deu liberdade pessoal."
"Posso falar com quem eu quero, comprar uma passagem e viajar para qualquer parte do mundo, e isso antes não era possível. Também já não enfrentamos situações perigosas quando convidamos qualquer pessoa para visitar nossa casa sem permissão. Portanto, os jovens que começam agora, que têm anos pela frente, estão muito melhor, poderão trabalhar e construir um novo futuro", ela afirma.
Mestra das estrelas do Kirov, Kurgapkina domina o repertório clássico, mas conhece muito pouco de dança moderna. "As obras clássicas têm humanidade, são como aqueles contos lidos para as crianças em todas épocas. Por isso, sempre se comunicarão com o público", ela afirma. (AFP)



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