São Paulo, Sábado, 01 de Maio de 1999
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O CD FAIXA A FAIXA

"Soprador de Vidro" - Tudo nasceu de um big-bang. A faixa propõe esse momento como se tudo estivesse se tensionando para uma grande explosão, após a qual haveria um relaxamento, cerca de uma hora depois, ou seja, no final do disco. Todas as faixas subsequentes brotam desse momento inicial. Mesmo não sendo uma coisa tão moderna, é uma variante que se torna interessante. O material musical é de sons processados a partir do vidro. Uma fantasia sonora que busca a forma musical do big-bang.

"Sonhos de Bruegel" - Traz a plasticidade obtida por meio das visitas do maestro a algumas vidrarias onde ainda se pratica a técnica de sopro humano para a moldagem das peças em vidro. Apenas ouvindo, é possível "ver" uma imensa fornalha, cerca de 30 moldadores e apenas o som do fogo. Anexe quadros de Pieter Bruegel, que traduzem esse momento, como se o mundo parecesse estar em outra dimensão, com movimentos mais lentos, onde a comunicação das pessoas acontecesse apenas pelo olhar. Junte um poema de Carlos Nejar -"Formoso É o Fogo"- e ouça um coro feminino, com mais de 20 vozes, cantando em latim parte do texto bíblico "Primeiro Dia da Criação". Além do solo da soprano Celine Imbert, há outro, feito com taças de vidro sendo friccionadas. Os timbres nos remetem, na virada do século 20, à Idade Média. Pura "trip", dirão os mais modernos.

"Tubos Percutidos" - Assim como as outras vinhetas do disco, aqui são sons de vidro gravados acusticamente ou processados eletronicamente. Eles fazem parte da idéia da estabilização da explosão que aconteceu no começo. Têm a função de anunciar ou finalizar um movimento.

"A Transparência do Indevassável" - Jardim leu um conto de Ivan Angelo, "A Casa de Vidro", que relata a construção de uma penitenciária de vidro dentro de um povoado. Isso é para os habitantes locais uma constatação daquilo tudo com que eles eram coniventes e não enxergavam. É olhando para dentro da penitenciária que os moradores reorganizam seus conceitos. O improviso de André Mehmari, ao piano, aliado a sons de vidros de fundo, mistura-se a uma harmônica, que parece amolecer o clima ao citar sempre uma mesma canção. Sem se prender a uma tonalidade exata, percebe-se uma linguagem ao mesmo tempo moderna e reflexiva.

"Prelúdio da Defesa" - Aqui o prelúdio nos conduz a um ritual. As vozes do coral, que cantaram "Sonhos de Bruegel", fazem um laboratório com o percussionista Naná Vasconcelos.

"A Defesa Mágica" - O ponto de partida utilizado pelo maestro foi Luís da Câmara Cascudo, que documentou várias tradições e superstições relacionadas a espelhos ou objetos que refletem imagens. Som de ritual.

"Pontos de Vista" - Quatro temas se repetem, sem variações de notas ou frequências, mas com texturas e cores diferentes. Isso é feito usando-se um tipo de acompanhamento pontilhista. Quem caminha por esses pontos é Naná Vasconcelos, como se fosse um observador do objeto focado. Seu caminhar é expressado por uma percussão étnica.

"Vaso Azul" - Mais uma vinheta que serve de finalização e ponte para o próximo movimento.

"Imagem Refletida" - A poesia de Adélia Prado consegue materializar e sintetizar a emoção da imagem refletida. O espelho que mais nos toca é o olho do outro. Opostos se refletem por meio do encontro do cantor popular (Milton Nascimento) e da cantora lírica (Celine Imbert). É um respiro dentro do trabalho; uma canção que não compromete a proposta estética do disco. Talvez a faixa mais simples.

"Tubos Soprados" - Vinheta de passagem, em que, mais uma vez, são utilizados instrumentos de vidro.

"Luz, Fogo e Vidro" - Uma música contente, liberta de compasso ou de harmonia tradicionalmente bem estruturada. Celebra o final do trabalho de quem exprime uma grande vontade de continuar buscando os sons de uma maneira competente sem ser enfadonho.


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