São Paulo, sexta-feira, 01 de junho de 2001

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A pequena loja de horrores de Cronenberg

Cineasta mostra os estranhos objetos de cena de seus filmes e ganha mostra retrospectiva

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Terror, aflição e asco são algumas das sensações vivenciadas por quem assiste aos filme do canadense David Cronenberg.
"A Mosca", "Mistérios e Paixões" (91), "Gêmeos - Mórbida Semelhança" ou "eXisnteZ" (99), sua produção mais recente (lamentavelmente ainda inédita no circuito comercial), são a transposição para a tela daqueles pesadelos que todo mundo quer esquecer quando acorda. Como nos sonhos, seus significados são bem mais profundos.
Para o cineasta, essas imagens são investigações filosóficas sobre o corpo e a mente humanas. "Minhas obras são basicamente filosofia, uma discussão intelectual sobre a condição humana", diz.
Entre 25 de junho e 1º de julho, os estranhos artefatos que o diretor utiliza em seus filmes serão expostos em "A Síndrome Cronenberg: Tudo é Permitido", mostra que poderá ser vista no Moinho Santista, em São Paulo. A exposição, que o diretor considera "um filme pós-moderno", já passou pelo Japão, Canadá e Grécia.
Cronenberg não vem ao Brasil porque está preparando o novo filme, "Spider", que será rodado em Londres e Toronto. Em meio à finalização do roteiro, conversou por telefone com a Folha. Leia a seguir os melhores trechos.

Folha - O nome de sua exposição aqui é "Síndrome Cronenberg: Tudo é Permitido". Como o senhor se sente com essa homenagem?
David Cronenberg -
Eu não sabia do nome até agora! É inteligente e uma boa introdução a um dos dos temas que trabalho. Evidentemente, "Tudo é Permitido" é uma citação de "Mistérios e Paixões". E é um título provocativo, como o início de uma discussão e não a sua conclusão.

Folha - O senhor já afirmou que faz filmes para mudar o senso estético da audiência. Esta exposição tem o mesmo objetivo?
Cronenberg -
É um outro nível de percepção sobre o processo de elaboração de filmes. De certa forma, é como um mágico revelar como seus truques são feitos. Pode-se dizer que trata-se um filme pós-moderno, pois é uma estranha desconstrução onde apresenta-se os artefatos, de modo a deixar claro que foram artefatos criados. Ao mesmo tempo é como exibir objetos perdidos de uma civilização, artefatos já utilizados nos filmes, que passam a ganhar novos significados.

Folha - O senhor não tem medo de expor esses objetos e, usando a metáfora do mágico, fazer com que os truques na tela percam a graça, especialmente os objetos asquerosos que o senhor cria?
Cronenberg -
Eu tenho muito interesse em despir todo o supérfluo na produção cinematográfica e concentrar tudo numa questão básica, que para mim é filosófica. Ela trata do corpo e da mente humanas. Quando se observa o corpo humano pela ciência, e tenta-se desvendar os seus segredos, há ainda um mistério lá. Eu creio que é exatamente o que acontece com o cinema. Por isso, não tenho tenho medo e, ao contrário, isso me dá prazer. Se funcionar como espero, a mostra levará às questões filosóficas que abordo.

Folha - Apesar dessa sua preocupação filosófica, em geral suas produções são analisadas mais pelas cenas chocantes, que levam seus filmes serem classificados como de horror, não?
Cronenberg -
Mas para mim minhas obras são basicamente filosofia, uma discussão intelectual sobre a condição humana. E, claro, a condição humana depende do corpo humano, é onde tudo começa para mim, não onde tudo termina. E essa é a reação que eu gostaria de ver na audiência.


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