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A pequena loja de horrores de Cronenberg
Cineasta mostra os estranhos
objetos de cena de seus filmes
e ganha mostra retrospectiva
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Terror, aflição e asco são algumas
das sensações vivenciadas por
quem assiste aos filme do canadense David Cronenberg.
"A Mosca", "Mistérios e Paixões" (91), "Gêmeos - Mórbida Semelhança" ou
"eXisnteZ" (99), sua produção
mais recente (lamentavelmente
ainda inédita no circuito comercial), são a transposição para a tela
daqueles pesadelos que todo
mundo quer esquecer quando
acorda. Como nos sonhos, seus
significados são bem mais profundos.
Para o cineasta, essas imagens
são investigações filosóficas sobre
o corpo e a mente humanas. "Minhas obras são basicamente filosofia, uma discussão intelectual
sobre a condição humana", diz.
Entre 25 de junho e 1º de julho,
os estranhos artefatos que o diretor utiliza em seus filmes serão expostos em "A Síndrome Cronenberg: Tudo é Permitido", mostra
que poderá ser vista no Moinho
Santista, em São Paulo. A exposição, que o diretor considera "um
filme pós-moderno", já passou
pelo Japão, Canadá e Grécia.
Cronenberg não vem ao Brasil
porque está preparando o novo
filme, "Spider", que será rodado
em Londres e Toronto. Em meio à
finalização do roteiro, conversou
por telefone com a Folha. Leia a
seguir os melhores trechos.
Folha - O nome de sua exposição
aqui é "Síndrome Cronenberg: Tudo é Permitido". Como o senhor se
sente com essa homenagem?
David Cronenberg - Eu não sabia
do nome até agora! É inteligente e
uma boa introdução a um dos dos
temas que trabalho. Evidentemente, "Tudo é Permitido" é uma
citação de "Mistérios e Paixões". E
é um título provocativo, como o
início de uma discussão e não a
sua conclusão.
Folha - O senhor já afirmou que
faz filmes para mudar o senso estético da audiência. Esta exposição
tem o mesmo objetivo?
Cronenberg - É um outro nível
de percepção sobre o processo de
elaboração de filmes. De certa forma, é como um mágico revelar
como seus truques são feitos. Pode-se dizer que trata-se um filme
pós-moderno, pois é uma estranha desconstrução onde apresenta-se os artefatos, de modo a deixar claro que foram artefatos criados. Ao mesmo tempo é como
exibir objetos perdidos de uma civilização, artefatos já utilizados
nos filmes, que passam a ganhar
novos significados.
Folha - O senhor não tem medo
de expor esses objetos e, usando a
metáfora do mágico, fazer com que
os truques na tela percam a graça,
especialmente os objetos asquerosos que o senhor cria?
Cronenberg - Eu tenho muito interesse em despir todo o supérfluo na produção cinematográfica
e concentrar tudo numa questão
básica, que para mim é filosófica.
Ela trata do corpo e da mente humanas. Quando se observa o corpo humano pela ciência, e tenta-se desvendar os seus segredos, há
ainda um mistério lá. Eu creio que
é exatamente o que acontece com
o cinema. Por isso, não tenho tenho medo e, ao contrário, isso me
dá prazer. Se funcionar como espero, a mostra levará às questões
filosóficas que abordo.
Folha - Apesar dessa sua preocupação filosófica, em geral suas produções são analisadas mais pelas
cenas chocantes, que levam seus
filmes serem classificados como de
horror, não?
Cronenberg - Mas para mim minhas obras são basicamente filosofia, uma discussão intelectual
sobre a condição humana. E, claro, a condição humana depende
do corpo humano, é onde tudo
começa para mim, não onde tudo
termina. E essa é a reação que eu
gostaria de ver na audiência.
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