São Paulo, sexta-feira, 01 de junho de 2001

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LOJA DE HORRORES

Primeiras obras de Cronenberg têm retrospectiva

"Hollywood é corrosiva para a arte", diz diretor

DA REPORTAGEM LOCAL

Além da mostra com objetos de cenas das produções do cineasta David Cronenberg, oito filmes do início de sua carreira serão exibidos no Carlton Arts deste ano. A seguir, Cronenberg comenta suas primeiras produções e diz por que não vai filmar em Hollywood. (FABIO CYPRIANO)

Folha - O senhor já disse que suas produções são como pesadelos: impressões terríveis sobre algo banal...
David Cronenberg -
Quando contamos um sonho para alguém, nunca transmitimos a mesma sensação que tivemos. É como a vida: por um lado, viver é simples e natural, mas, por outro, há sempre um tipo de medo e terror, o que é uma abordagem existencialista para a vida. É o que busco fazer em minhas obras.

Folha - Um dos filmes que serão exibidos na mostra é "Calafrios", de 75, que trata de uma epidemia transmitida por sexo, bem antes do início da Aids. Foi premonição?
Cronenberg -
Diz-se a mesma coisa de "A Mosca", que a doença lá era uma metáfora para a Aids. Para mim é o inverso. Sempre houve doenças terríveis que ameaçaram a humanidade. Mesmo quando não há doença, há o avanço da idade, a morte. Não há como escapar. E para mim é uma coisa bem óbvia a tratar. Mais uma vez, é a condição humana.
Como um artista, o que tenho a oferecer é uma espécie de antena, a habilidade de perceber situações para as quais nem todo mundo tem sensibilidade. Por isso, eu não definiria como premonição, mas como estar atento para o que está acontecendo à nossa volta de forma sensível.

Folha - É uma estratégia tratar do anormal para falar do normal?
Cronenberg -
"Normal" é um conceito humano, é uma questão de estatística. Na natureza não há tal conceito, mas coisas que funcionam e outras que não funcionam. De fato, todos passamos por mutações, é o processo de evolução. Sem anormalidade não há evolução, e mesmo ela é normal. É o que tento discutir.

Folha - Mesmo sendo um dos diretores autorais mais importantes, o senhor continua longe de Hollywood. Por quê?
Cronenberg -
Quantos autores você acha que existem em Hollywood? Hollywood é um ambiente muito corrosivo para a arte, mas é o local correto para quem pretende fazer filmes comerciais. Lá, até os filmes de pequeno orçamento têm US$ 10 milhões, um valor que tenho muita dificuldade em conseguir. Eu resisto em não ir para Hollywood, quero permanecer próximo à produção européia. Meus filmes estão no meio do caminho entre esses dois locais, assim como Toronto, a cidade onde vivo. Por isso ela é o lugar ideal para mim.

Folha - Isso é ruim para nós, brasileiros, que recebemos todos os filmes de Hollywood, mas ainda não vimos sua mais recente produção, "eXistenZ".
Cronenberg -
Não quero culpar ninguém, mas apesar de o filme não ter tido sucesso nos EUA, teve boa repercussão na Europa e o distribuidor brasileiro poderia encontrar uma forma de bom marketing para ele. Se eu fizesse um filme em Hollywood, com muito dinheiro e boa distribuição, poderia ser visto no Brasil, mas fatalmente não seria do meu agrado.


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