São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"O OUTRO: TRÊS CONTOS DE SOMBRA"

Histórias de London, Andersen e Stevenson tratam do tema da duplicidade

O duplo apavora personagens dos contos

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Não provoque o seu duplo, que o resultado pode ser funesto. Essa é mais ou menos a lição que inferimos das narrativas de "O Outro: Três Contos de Sombra", escritas por Jack London, Hans Christian Andersen e Robert Louis Stevenson. Podemos vê-las como variantes do mito alemão do "Doppelgänger" ("andarilho em duplicata"), sobre a cópia fantasmagórica que assombra o ser de origem.
O conto de Andersen, "A Sombra" (traduzido do dinamarquês), é o que mais glosa o mote, talvez porque o folclore escandinavo invista na exploração da alteridade. Narra a história de um sábio, cuja sombra se descola e passa a levar vida independente.
Anos depois, a sombra visita seu antigo senhor. O sábio, que escreveu sobre "a Verdade, a Bondade e a Beleza", lamenta-se que ninguém o lê. A sombra, por sua vez, enriqueceu aproveitando-se do "infortúnio do próximo, a sordidez humana". Ela o convida a viajar, na condição de que invertam os papéis: a sombra seria o senhor, e o senhor, a sombra.
"A Sombra e o Brilho", do norte-americano Jack London, não traz um duplo decalcado do original, mas dois indivíduos que são cópia um do outro. São semelhantes em tudo: fisionomia, físico e personalidade, exceto pelo fato de Paul Tichlorne ser louro, e Lloyd Inwood, moreno.
Rivais, ambos buscam o segredo da invisibilidade. Mas, enquanto Lloyd planeja obtê-la por meio do "preto absoluto", Paul tenta descobrir a fórmula da transparência. Nenhum é inteiramente feliz, pois os objetos pintados com o preto absoluto ainda protejem sua sombra e aqueles tornados transparentes refletem um brilho iridescente sob a luz.
O melhor dos três contos é o clássico "Markheim", de Stevenson. Sua adequação ao tema da minicoletânea talvez se justifique menos pelos elementos da história do que pelo fato de o inglês ser autor de uma mais famosas ficções acerca do tema da duplicidade: "O Médico e o Monstro". Afinal, em que pese o fato de que a figura que assoma diante do assassino do conto ser a "sombra dele mesmo", a aparição guarda traços bem mais mefistofélicos.
O ser demoníaco surge para assombrar a consciência do personagem após ele ter cometido um assassinato na véspera do Natal. Dividido entre as tentações do prazer e o amor pela virtude, Markheim se declara um "pecador involuntário". Diz ele: "Bem e Mal correm com força dentro de mim, arrastando-me para os dois lados". No final, a aparição força o criminoso a resolver seu dilema moral, lembrando os contos de Poe, como "O Gato Preto" e "O Coração Revelador", além de, é claro, "Crime e Castigo".
É interessante notar que a repercussão póstuma dos três ficcionistas foi de autores "para crianças". Andersen escreveu romances e livros de viagem. Sua fama, porém, ficou calcada em seus contos de fada. London, por causa de "Caninos Brancos", e Stevenson, pela "Ilha do Tesouro", dentre outros textos, tiveram sorte semelhante. Só recentemente passaram a ser mais respeitados.
De nada adiantou vozes ilustres de sua época os terem elogiado. Henry James apreciava os romances de aventura de Stevenson. Dickens chamou Andersen de "grande escritor". O próprio dinamarquês afirmou que suas histórias foram "escritas tanto para adultos quanto para crianças". Segundo ele, "as crianças percebem apenas o ornamento, só quando amadurecem é que vêem e compreendem o todo". Os exemplos deste livro nos ajudam a entender o que ele quis dizer.
O Outro: Três Contos de Sombra



   
Autores: Jack London, Hans Christian Andersen e Robert Louis Stevenson
Tradutoras: Heloisa Seixas e Ana Lucia Jansen
Editora: Dantes
Quanto: R$ 15 (132 págs.)




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