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LIVROS/LANÇAMENTOS
"O OUTRO: TRÊS CONTOS DE SOMBRA"
Histórias de London, Andersen e Stevenson tratam do tema da duplicidade
O duplo apavora personagens dos contos
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Não provoque o seu duplo,
que o resultado pode ser funesto. Essa é mais ou menos a lição que inferimos das narrativas
de "O Outro: Três Contos de
Sombra", escritas por Jack London, Hans Christian Andersen e
Robert Louis Stevenson. Podemos vê-las como variantes do mito alemão do "Doppelgänger"
("andarilho em duplicata"), sobre
a cópia fantasmagórica que assombra o ser de origem.
O conto de Andersen, "A Sombra" (traduzido do dinamarquês), é o que mais glosa o mote,
talvez porque o folclore escandinavo invista na exploração da alteridade. Narra a história de um
sábio, cuja sombra se descola e
passa a levar vida independente.
Anos depois, a sombra visita
seu antigo senhor. O sábio, que
escreveu sobre "a Verdade, a Bondade e a Beleza", lamenta-se que
ninguém o lê. A sombra, por sua
vez, enriqueceu aproveitando-se
do "infortúnio do próximo, a sordidez humana". Ela o convida a
viajar, na condição de que invertam os papéis: a sombra seria o senhor, e o senhor, a sombra.
"A Sombra e o Brilho", do norte-americano Jack London, não
traz um duplo decalcado do original, mas dois indivíduos que são
cópia um do outro. São semelhantes em tudo: fisionomia, físico e personalidade, exceto pelo fato de Paul Tichlorne ser louro, e
Lloyd Inwood, moreno.
Rivais, ambos buscam o segredo da invisibilidade. Mas, enquanto Lloyd planeja obtê-la por
meio do "preto absoluto", Paul
tenta descobrir a fórmula da
transparência. Nenhum é inteiramente feliz, pois os objetos pintados com o preto absoluto ainda
protejem sua sombra e aqueles
tornados transparentes refletem
um brilho iridescente sob a luz.
O melhor dos três contos é o
clássico "Markheim", de Stevenson. Sua adequação ao tema da
minicoletânea talvez se justifique
menos pelos elementos da história do que pelo fato de o inglês ser
autor de uma mais famosas ficções acerca do tema da duplicidade: "O Médico e o Monstro". Afinal, em que pese o fato de que a figura que assoma diante do assassino do conto ser a "sombra dele
mesmo", a aparição guarda traços
bem mais mefistofélicos.
O ser demoníaco surge para assombrar a consciência do personagem após ele ter cometido um
assassinato na véspera do Natal.
Dividido entre as tentações do
prazer e o amor pela virtude, Markheim se declara um "pecador involuntário". Diz ele: "Bem e Mal
correm com força dentro de mim,
arrastando-me para os dois lados". No final, a aparição força o
criminoso a resolver seu dilema
moral, lembrando os contos de
Poe, como "O Gato Preto" e "O
Coração Revelador", além de, é
claro, "Crime e Castigo".
É interessante notar que a repercussão póstuma dos três ficcionistas foi de autores "para
crianças". Andersen escreveu romances e livros de viagem. Sua fama, porém, ficou calcada em seus
contos de fada. London, por causa
de "Caninos Brancos", e Stevenson, pela "Ilha do Tesouro", dentre outros textos, tiveram sorte semelhante. Só recentemente passaram a ser mais respeitados.
De nada adiantou vozes ilustres
de sua época os terem elogiado.
Henry James apreciava os romances de aventura de Stevenson.
Dickens chamou Andersen de
"grande escritor". O próprio dinamarquês afirmou que suas histórias foram "escritas tanto para
adultos quanto para crianças".
Segundo ele, "as crianças percebem apenas o ornamento, só
quando amadurecem é que vêem
e compreendem o todo". Os
exemplos deste livro nos ajudam
a entender o que ele quis dizer.
O Outro: Três Contos de Sombra
Autores: Jack London, Hans Christian
Andersen e Robert Louis Stevenson
Tradutoras: Heloisa Seixas e Ana Lucia
Jansen
Editora: Dantes
Quanto: R$ 15 (132 págs.)
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