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"CORES PROIBIDAS"
Obra não deve ser encarada como
um Mishima de menor qualidade
LUIZ COSTA PEREIRA JÚNIOR
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Virou até clichê da crítica
especializada tachar "Cores
Proibidas" como obra de segunda
linha no arsenal literário de Yukio
Mishima.
Criado para ser lido em jornal,
em episódios editados na imprensa entre 1951 e 53, "Cores Proibidas" raras vezes foi encarado como é: um folhetim.
A história é episódica e manipulativa. Escritor consagrado, Shunsuke Hinoki tem 65 anos, é feio de
doer e algo contido, mas até o
ponto em que transpira na própria misoginia uma raiva intestina das mulheres, mal-disfarçada
forma de sublimar as diversas decepções que seus sucessivos casamentos lhe deram.
O início do livro o pega, no entanto, desperto numa paixão platônica pela pós-adolescente Yasuko. A relação dos dois limita-se
apenas à admiração mútua. Ela
um dia desaparece, numa viagem.
Tomado de súbito impulso,
Shunsuke a procura. Surpreende-se ao encontrá-la acompanhada
por Yuichi Minami, um adônis
nipônico que o embaraça com
sua beleza.
Shunsuke possui o que Mishima descreve como o "péssimo hábito" de fazer a associação da beleza à felicidade, e o livro faz com
que o fascínio surgido pelo rapaz
ganhe o primeiro plano. O escritor o manipulará durante todo o
livro até se descobrir por fim apaixonado por ele, uma percepção
gradativa que chega no limite do
insuportável.
De forma blasé e improvável, de
uma ingenuidade displicente,
Yuichi revela sua homossexualidade ao escritor, para ele então
um solene desconhecido. É apenas um dos calos no cenário que
compõe "Cores Proibidas": do
nada, o herói herda 10 milhões de
ienes e as tensões se dissolvem.
Fim do livro.
Sacrifício do tradicional
Esmaltado, de uma elegância
até mecânica, o romance é cheio
das concessões xaroposas que
tornam uma ficção absorvente
mesmo quando limitada.
O texto deve ser encarado, no
entanto, como mais do que uma
obra menor.
Mishima executa um projeto literário em "Cores Proibidas" que
demanda habilidade: um dos desafios do livro é mostrar como age
um escritor que fez fama por sacrificar os "elementos novelísticos
tradicionais".
Todas as intempéries que constroem uma personalidade pouco
convencional, em profunda coerência com o estilo paratático de
suas obras, é contada por Mishima com uma prosa absolutamente fiel aos "elementos novelísticos
tradicionais" que seu personagem
nega.
A obra é o resultado da discrepância entre esse estilo comportado de narrar e o estilo nada comportado do escritor e da vida que
leva. Shunsuke chega a ser leviano
em sua moralidade imperturbavelmente reta. O estilo de Mishima -o mais forte ponto de discórdia sobre a qualidade do livro- chega então a ser frio e distante.
Os personagens são construídos
como facetas díspares e complementares: o velho e o novo, o belo
e o feio, a asfixia e o relaxamento.
É como se lêssemos um espelho
do próprio autor. Mishima foi um
homem dividido. A ocidentalização japonesa no período do pós-guerra o consumiu como se fosse
droga: ao mesmo tempo em que
causava ferimentos em seu espírito, também invadia seu sangue,
sem volta.
Não por acaso, é considerado o
mais ocidental dos escritores japoneses. Numa personalidade
que acomodou uma polifonia de
disparidades: um cosmopolita
amante da tradição, um pai conservador e homossexual convicto,
um narcisista frio, um nacionalista que se negou a entrar nos Exércitos imperiais.
Na manhã do dia em que se matou, aos 45 anos, Yukio Mishima
caminhou calmamente até a sua
editora para entregar o último capítulo da tetralogia "O Mar da
Fertilidade". Era novembro de
1970. O mar, o breu frio das profundidades oceânicas, lhe serviu
talvez como última metáfora e
epitáfio.
Cores Proibidas
Kinjiki
Autor: Yukio Mishima
Tradutor: Jefferson José Teixeira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (576 págs.)
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