São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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"O PÉRIPLO DE BALDASSARE"

Amin Maalouf utiliza busca como pretexto

JESUS DE PAULA ASSIS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Baldassare Embriaco é um genovês que mantém uma loja de curiosidades em Gibelet, no Líbano. O ano é 1665. Em sua cidade, é um cristão que convive com judeus sob o Império Otomano. A distante Gênova de seus sonhos (que nunca visitara) está em uma Europa em que grassa a instabilidade política e religiosa.
A época é perfeita para os maus presságios: 1666 será o "Ano da Besta", provável o último do planeta, segundo a tradição bíblica.
E é no cenário tranquilo da loja de Baldassare que aparece um livro que poderia pôr ordem nesse mundo ansioso e à beira do fim. Trata-se de "O Centésimo Nome", de Abu-Maher al-Mazandarani. O assunto: há um nome para Deus além dos 99 conhecidos e usados no Corão. Conhecê-lo (e pronunciá-lo) era garantia de salvação. O périplo a que se refere o título é a busca por esse livro.
Maalouf estrutura sua novela na forma de um diário de Baldassare, o que dá ao protagonista o status de informante e comentador das ações e pessoas. Mas, diferentemente de outros livro cujo motor inicial é um livro imaginário, neste, "O Centésimo Nome" é só pretexto para um périplo em que se misturam aventura e observação humana. Baldassare, um cético jogado na estrada na busca de um livro erudito que explora uma superstição, vai encontrando personagens e transformando sua busca em autocompreensão.
Uma vez que Maalouf não está de fato preocupado com o ambiente em que se desenrola a ação, nomes de locais que poderiam ser sugestivos para a imaginação -como a loja encravada no Líbano, o mercado em Lisboa, a Constantinopla cosmopolita ou a Londres vítima a um incêndio gigantesco- ficam apenas nos nomes, sem mais descrição. Diferente do périplo de Ciro Espítama, personagem de Gore Vidal em "Criação", em que os ambientes exóticos são minuciosamente descritos, o de Baldassare é uma série de pretextos para reflexão, que poderiam ser outros, ter outros nomes, situar-se noutros tempos.
E, já que o autor também não se insere na tradição dos livros sobre livros imaginários -como Lovecraft o faz com o "Necronomicon", Eco, com a "Ética" de Aristóteles, ou Borges, com a "Enciclopédia de Tlon"-, seu citado livro só aparece como pretexto do périplo, sem ser explorado.
Resolvidos os pretextos no que são, restam o relato pontual de aventuras e as tais reflexões, que pouco têm de iluminadoras. Isso não tira o caráter de leitura agradável, que preenche bem um domingo despreocupado. Mas resta a sensação de que foram muitos pretextos para pouco resultado e de que algo ficou faltando fechar.
O Périplo de Baldassare


  
Autor: Amin Maalouf
Tradutor: Eduardo Brandão
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (488 págs.)



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