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MEMÓRIA
Mário Lago, parceiro de Ataulfo Alves e Custódio Mesquita na composição, deixa legado de pequenos tesouros apagados
A delicadeza perdida da música popular
Américo Vermelho - 28.jun.2001/Folha Imagem
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Mário Lago, morto no Rio, anteontem, em decorrência de efisema pulmonar |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Mesmo sem ter tido carreira
extensa ou militante no seio
da música popular, Mário Lago,
90, foi e continuará sendo compositor-símbolo de uma era que, infelizmente, morreu bem antes dele. Lago foi um dos galantes rapazes da dita época de ouro da música brasileira, quando samba, elegância e vozeirão andavam alinhados tal qual chapéu de palha,
terno branco e gravata vermelha.
Nunca se atreveu a ser cantor,
tarefa que deixou entregue a amigos como Orlando Silva, Francisco Alves, Mario Reis etc. etc. etc..
Artista múltiplo, atuou em música como compositor, mesmo assim, nunca solitariamente.
Para concluir a arte de compor
uma canção, sempre necessitou
de parceria e teve no rol de comparsas musicais figuras ilustres
como Ataulfo Alves, Benedito Lacerda, Custódio Mesquita, Roberto Martins, Chocolate, Roberto
Roberti -todos fazedores de modos musicais que já não existem.
Talvez expressão máxima desses modos seja a suave canção
"Nada Além", composta com o
refinado e subestimado Custódio
Mesquita, em 1938 (Lago já compunha desde 1935), para virar
clássico na voz de Orlando Silva.
Cândida, amorosa e sofredora, se
ouvida hoje, só pode suscitar a
dúvida também sofredora: onde
foi parar nossa perdida delicadeza
musical?
Na música Mário Lago era gentil por princípio, mas nem é que
fosse somente assim. Tanto é que,
também se ouvida com as referências de hoje, sua música mais
conhecida assusta pela indelicadeza misógina -"Ai, que Saudades da Amélia" (42, com Ataulfo
Alves) também é de um tempo
machista que já se foi, e desta vez
não há razão para lamentar.
Embora o tema da companheira submissa "que era mulher de
verdade" traga à memória esse
Lago mais afoito, o outro, mais
meigo, é que compareceu mais
vezes à MPB.
Desse ficarão na memória pequenos tesouros apagados como
a cristã "Atire a Primeira Pedra"
(44, também com Ataulfo), a carnavalesca "Aurora" (40, com Roberto Roberti, imortalizada por
Carmen Miranda), a dramática
"Número Um" (39, com Benedito
Lacerda).
Em qualquer desses exemplos, e
mesmo em "Ai, que Saudades da
Amélia", o que pula à frente na
memória dos anos dourados de
Mário Lago é que, mesmo marginalizado, o samba (ou seja, a própria música popular brasileira)
prestava-se, em seu auge, a exprimir a nobreza e a elegância de todo um povo, de todo um país
também marginalizado.
Comparem-se aquelas canções
com as trilhas sonoras dos atuais
programas dominicais de TV. O
que se verá é que, em quase um
século de existência (e em especial
nas últimas duas décadas), Mário
Lago teve de assistir à grossa e feia
brutalização da música brasileira,
do Brasil. Ficamos nós por aqui.
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