São Paulo, segunda, 1 de junho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"GIRLFRIEND IN A COMA"
Moralismo mofado

BIA ABRAMO
Especial para a Folha, de Berkeley

Douglas Coupland tomou para si uma tarefa delicada. Seu projeto não é exatamente escrever "o" romance de sua geração, mas a cada romance descobrir quem é e qual é a geração que importa naquele momento.
Rápido na observação e catalogação de comportamentos, tendências, hábitos de consumo e algo mais abstrato, que poderia definir-se como psique, Zeitgeist, alma, seus livros estão mais próximos de pesquisas de marketing do que de qualquer tipo de literatura.
Coupland despontou no início dos anos 90 com "Geração X", batizando com um nome genérico uma juventude pós-hippie, pós-yuppie, pré-milênio.
Seus personagens, então na faixa etária "twentysomething" (vinte e poucos anos), situavam-se num limbo entre fim da universidade e hesitante início de vida adulta.
Quatro anos mais tarde, em "Microservos", o conceito de geração definida pela faixa etária e, portanto, pela identidade das experiências culturais e sociais em comum, é substituído pela adesão ideológica/profissional/corporativa à revolução digital.
Agora, em"Girlfriend in a Coma", seu romance mais ambicioso, Coupland procura uma resposta para o que é, afinal, sua própria geração. Os personagens, um grupo de amigos de colegial, são seus contemporâneos (o escritor nasceu em 1961).
Pela primeira vez, Coupland preocupa-se com uma espinha dorsal um pouco mais sólida para tentar suas divagações: a namorada do título é Karen, uma adolescente que entra em coma em 1979 e desperta 18 anos depois.
O namorado Richard mais quatro amigos vivem como podem estas quase duas décadas, sofrendo de uma nostalgia inconsolável pela adolescência perdida, aguentando o cinismo dos anos 80 e a depressão dos 90. Até que Karen desperta do coma para avisar que o mundo vai acabar em dezembro de 1997.
Desta vez menos cúmplice de seus personagens do que nos livros anteriores, todos os personagens, embora cumpram seu destino geracional -há uma modelo junkie, um junkie, um engenheiro que trabalha para a indústria de entretenimento, uma a médica workaholic, um yuppie amargo- fracassam redondamente.
E para redimí-los do fracasso, é preciso acabar com a humanidade e começar tudo de novo.
Escondido no meio de uma insistência em proferir nomes de produtos que faz parecer que o escritor recebe para fazer merchandising e um mar de referências pop, Coupland parece, mas apenas parece, resvalar numa compreensão menos publicitária: a resposta não está no consumo.
Os cinco amigos, por alguns instantes, chegam a descobrir que o deus mercado, por mais que ofereça escolhas cada vez mais cool, de refrigerantes à profissão, de biscoitos a idéias, não vai dar sentido à vida. Só que, para substituir o deus mercado, Coupland se sai com um moralismo mofado e uma religiosidade de quinta categoria, o que não resolve muito.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.