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"GIRLFRIEND IN A COMA"
Moralismo mofado
BIA ABRAMO
Especial para a Folha, de Berkeley
Douglas Coupland tomou para
si uma tarefa delicada. Seu projeto
não é exatamente escrever "o"
romance de sua geração, mas a cada romance descobrir quem é e
qual é a geração que importa naquele momento.
Rápido na observação e catalogação de comportamentos, tendências, hábitos de consumo e algo mais abstrato, que poderia definir-se como psique, Zeitgeist, alma, seus livros estão mais próximos de pesquisas de marketing do
que de qualquer tipo de literatura.
Coupland despontou no início
dos anos 90 com "Geração X",
batizando com um nome genérico
uma juventude pós-hippie,
pós-yuppie, pré-milênio.
Seus personagens, então na faixa
etária "twentysomething" (vinte
e poucos anos), situavam-se num
limbo entre fim da universidade e
hesitante início de vida adulta.
Quatro anos mais tarde, em
"Microservos", o conceito de geração definida pela faixa etária e,
portanto, pela identidade das experiências culturais e sociais em
comum, é substituído pela adesão
ideológica/profissional/corporativa à revolução digital.
Agora, em"Girlfriend in a Coma", seu romance mais ambicioso, Coupland procura uma resposta para o que é, afinal, sua própria geração. Os personagens, um
grupo de amigos de colegial, são
seus contemporâneos (o escritor
nasceu em 1961).
Pela primeira vez, Coupland
preocupa-se com uma espinha
dorsal um pouco mais sólida para
tentar suas divagações: a namorada do título é Karen, uma adolescente que entra em coma em 1979
e desperta 18 anos depois.
O namorado Richard mais quatro amigos vivem como podem estas quase duas décadas, sofrendo
de uma nostalgia inconsolável pela adolescência perdida, aguentando o cinismo dos anos 80 e a
depressão dos 90. Até que Karen
desperta do coma para avisar que
o mundo vai acabar em dezembro
de 1997.
Desta vez menos cúmplice de
seus personagens do que nos livros anteriores, todos os personagens, embora cumpram seu destino geracional -há uma modelo
junkie, um junkie, um engenheiro
que trabalha para a indústria de
entretenimento, uma a médica
workaholic, um yuppie amargo-
fracassam redondamente.
E para redimí-los do fracasso, é
preciso acabar com a humanidade
e começar tudo de novo.
Escondido no meio de uma insistência em proferir nomes de
produtos que faz parecer que o escritor recebe para fazer merchandising e um mar de referências
pop, Coupland parece, mas apenas parece, resvalar numa compreensão menos publicitária: a
resposta não está no consumo.
Os cinco amigos, por alguns instantes, chegam a descobrir que o
deus mercado, por mais que ofereça escolhas cada vez mais cool,
de refrigerantes à profissão, de
biscoitos a idéias, não vai dar sentido à vida. Só que, para substituir
o deus mercado, Coupland se sai
com um moralismo mofado e uma
religiosidade de quinta categoria,
o que não resolve muito.
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