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DRAUZIO VARELLA
A propaganda do cigarro
Desculpem, mas vou falar
do cigarro outra vez. Da publicidade, mais especificamente.
O governo enviou para a Câmara
dos Deputados um projeto de lei
para proibir a propaganda de cigarro que diz o seguinte:
1) A única propaganda permitida será a de cartazes exibidos em
ambientes internos; bares e boates, por exemplo. Todas as demais
ficam proibidas, inclusive patrocínio de eventos culturais e esportivos.
2) O dono de estabelecimento
flagrado ao vender cigarro para
menor de 18 anos será condenado
à pena de prestação de serviços à
comunidade por um período de
seis meses a três anos.
3) Multa de R$ 50 mil a R$ 100
mil para os fabricantes, extensiva
às agências de publicidade e empresas de rádio e de televisão que
infringirem a lei.
4) As emissoras de rádio e de televisão que insistirem em veicular
propaganda de cigarro terão sua
programação suspensa por até 30
dias.
Quem pode ser contra uma lei
como essa? Não torna o cigarro
ilegal, não aumenta os impostos,
não obriga a indústria a arcar
com os gastos de saúde das vítimas do fumo (como estão fazendo os americanos), não pune as
agências por propaganda enganosa, apenas proíbe a publicidade. A lei só impede que as imagens de homens de sucesso, garotas livres e esportes radicais sirvam para criar nas crianças a
vontade de fumar e, ingenuamente, cair nas garras da dependência química mais escravizante de todas as que existem.
Apesar da brandura da lei, o
lobby comandado pela indústria
do tabaco e alguns setores da publicidade sempre reagiram ferozmente contra qualquer iniciativa
desse tipo.
Dessa forma, conseguiram até
hoje manter no ar anúncios há
muito banidos de outros países e
à custa deles arrebatar legiões de
novos dependentes entre a população mais indefesa: 90% dos fumantes começam a fumar antes
dos 21 anos.
Diversas pesquisas mostram
que, nos últimos 15 anos, a idade
em que meninas e meninos começam a fumar está cada vez mais
baixa. Atenta ao mercado, a indústria do fumo dirige a publicidade para a infância e a puberdade.
Por exemplo, veja o que aconteceu nos Estados Unidos com os
comerciais estrelados por aquele
camelo simpático de óculos escuros, em cima da moto, criado pela
R. J. Reinolds, em 1988.
Três anos depois de lançada a
campanha, diversos estudos demonstraram que as crianças e
adolescentes eram perfeitamente
capazes de reconhecer com facilidade o personagem e associá-lo à
marca de cigarro correspondente.
Um desses estudos mostrou que o
camelo era tão conhecido pelas
crianças de 6 anos quanto o camundongo Mickey.
Levantamentos conduzidos em
1988, quando a campanha foi
lançada, e repetidos em 1990 concluíram que o número de adolescentes compradores da marca do
camelo aumentou de 0,5% para
32%. No mesmo período, as vendas da marca subiram de US$ 6
milhões para US$ 476 milhões.
O argumento empregado pela
indústria para justificar a oposição às leis que pretendem proibir
a publicidade do cigarro tem sido
tradicionalmente o de que muitos
trabalhadores vivem da lavoura,
do preparo industrial e da comercialização do fumo, e que uma
queda de consumo provocaria desemprego.
A justificativa é ridícula. Do
ponto de vista moral, é justo provocar sofrimento e morte de milhões de pessoas só para que uma
minoria conserve o emprego? Não
aceitamos esse tipo de lógica
quando empregada pelos plantadores de maconha em Pernambuco ou pelos produtores de cocaína
do cartel de Cali.
Os fabricantes de cigarro ganharam fortunas impunemente
até hoje. Mesmo que a publicidade seja proibida imediatamente,
o efeito da proibição levará anos
para se fazer sentir, porque ainda
restarão dezenas de milhões de
fumantes escravizados comprando um maço por dia pelo resto de
suas existências.
Além disso, as companhias terão tempo suficiente para investir
em outros ramos de atividade os
milhões de dólares que antes destinavam à propaganda, e assim
absorver a mão-de-obra que porventura venha a ficar sem trabalho.
Não é sensato deixarmos que os
beneficiários desse comércio tão
lucrativo convençam as crianças
a se tornarem dependentes, para
depois tentarmos fazê-las entender que precisam largar de fumar
porque o cigarro faz mal. Em sã
consciência, ninguém empregaria
essa estratégia com os próprios filhos no caso do crack ou da heroína.
A responsabilidade de protegê-los contra o sofrimento que lhes
será imposto pela dependência
química de nicotina não é apenas
do governo, é de todos nós que
pretendemos criar filhos e netos
neste país.
Proibir a propaganda do fumo
está acima de partidos políticos,
de interesses de grupos ou de
ideologias. A Câmara, o Senado e
a sociedade têm uma grande responsabilidade neste momento.
É fundamental que a imprensa
divulgue os nomes dos políticos e
dos lobistas empenhados em rejeitar o projeto que proíbe a propaganda de cigarro. Estamos
diante de uma oportunidade sem
precedentes para atacar com seriedade o problema do fumo no
Brasil.
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