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São Paulo, terça-feira, 01 de julho de 2003

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FOTOGRAFIA

Com apurado uso da luz, Chambi traça perfil de seus pares indígenas na primeira metade do século 20

DOCUMENTAL - sentimental

Martín Chambi/Divulgação
 

Auto-retrato de Martín Chambi no alto da montanha em Carabaya, na cidade de Puno, feito em 1930 (acima), e "Boda de Julio Gadea, Prefeito de Cuzco" (1930)


EDER CHIODETTO
EDITOR DE FOTOGRAFIA

Um profundo e apaixonado tratado etnológico realizado sob uma refinada luminosidade e técnica é a resultante do trabalho do fotógrafo peruano Martín Chambi (1891-1973), que pode ser visto na retrospectiva "O Poeta da Luz", em cartaz em Brasília, no Conjunto Cultural da Caixa, e a partir de sábado na Pinacoteca do Estado, em São Paulo.
Filho de agricultores, Chambi nasceu na pequena vila de Coaza, no Peru. Se interessou pela fotografia quando seus pais, no início do século passado, se mudaram para Carabaya a fim de trabalharem numa mineradora inglesa. A região inca passava então pelo ciclo de ouro, e o Peru se abria ao capital estrangeiro para tentar se recuperar economicamente após o desastre da guerra com o Chile.
A cidade de Cuzco, tida como a capital arqueológica da América, possuía um sistema latifundiário arcaico, e os descendentes da cultura quéchua, marginalizados, viviam praticamente como escravos. É nesse momento e lugar -e motivado por essas questões- que Chambi começa a fotografar sistematicamente entre os anos de 1920 e 1950.
As 80 imagens expostas em Brasília e as 50 que estarão à mostra em São Paulo narram com simplicidade e precisão os costumes, as práticas sociais e a paisagem exuberante do entorno de Cuzco. Tendo iniciado seus estudos de fotografia como assistente de estúdio, Chambi conseguiu desenvolver uma técnica apurada de iluminação, como se pode ver nas impressionantes obras "Retrato de Ancião" (1931), "A Campesina de Q'eromarca com Seu Filho" (1934) e em "Menino Mendigo" (1934).
Além da luminosidade que faz referência a mestres da pintura como Rembrandt, Chambi tinha o dom de conseguir de seus fotografados um certo ar de solene introspecção, o que tornava tais retratos um campo de forças humanísticas. A falta de sorrisos em seus retratados é uma constante e chega a ser um tanto perturbador. No entanto, não inspiram comiseração. Eles surgem sempre firmes e altivos diante da câmera. É como se a fotografia pudesse restituir-lhes num só tempo a identidade e a dignidade conspurcadas.
As imagens que compõem a mostra da Pinacoteca passaram por um processo denominado "ouro velho", que deixam os trabalhos com uma suave tonalidade dourada. Essa "série ouro" era um pedido que Chambi fez a sua filha Julia antes de morrer.
Nos anos 70, quando a obra de Chambi começou a ser divulgada, vários artistas o adotaram como parâmetro. O escritor e conterrâneo de Chambi, Mario Vargas Llosa, escreveu: "Suas fotos são testemunhas do pitoresco, do cruel, do terno, do absurdo de seu tempo e do mundo andino, um testemunho sobre a sensibilidade, a malícia e a destreza de um modesto artesão que ao se colocar por trás de uma câmera virava um gigante, uma força inventora, recriadora da vida".
Para o cineasta e colunista da Folha Walter Salles, "Chambi propôs uma espécie de contracampo ao olhar europeu da época. Seu olhar vem de dentro para fora, é essencialmente includente, com toques de extraordinária ironia como transparece na foto do casamento do prefeito de Cuzco, retratado como um vampiro de filme expressionista alemão. Além de nos ter legado uma memória visual riquíssima da vida indígena no Peru, Chambi ainda propôs um trabalho magistral sobre a luz. Um craque".

MARTÍN CHAMBI - O POETA DA LUZ. Em Brasília: Conjunto Cultural da Caixa (SBS quadra 4, lotes 3/4; tel. 0/xx/61/ 414-9450). Quando: de ter. a dom., das 9h às 18h; até 20/7. Quanto: entrada franca. Em São Paulo: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2; tel. 0/xx/11/229-9844). Quando: abertura 5 de julho, das 11h às 15h; de ter. a dom., das 10h às 17h30; até 31/8. Quanto: R$ 4 (grátis aos sábados).


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