São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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TEATRO

Antunes Filho dirige espetáculo em que personagem encontra Jesus e Sócrates; "Prêt-à-Porter 6" estréia amanhã

"Canto de Gregório" discute mitos da alma

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Caro espectador, não estou aqui para levá-lo a paralisia nenhuma", abre logo o jogo o autor, Paulo Santoro, no programa do espetáculo. "Temos a felicidade de não nos mantermos presos o tempo todo em nosso quarto às vezes frio e assustador, questionando os mitos que regem a nossa alma."
Eis o fardo do protagonista de "O Canto de Gregório", primeira montagem de um texto embrionário do círculo de dramaturgia do Centro de Pesquisa Teatral (CPT-Sesc), dirigido por Antunes Filho desde 1999.
O espetáculo estréia hoje no teatro Sesc Anchieta (SP), para convidados. Amanhã, é a vez do "Prêt-à-Porter 6", três novas cenas da série. Ambos integram a Mostra Artística do Fórum Cultural Mundial e abrem temporada para o público no sábado.
Em "O Canto de Gregório", que amadureceu ao longo de quatro anos em conversações com Antunes e grupo, Santoro, 31, superpõe mitos da religião e da filosofia nas ruminações de um sujeito face a face consigo e com Jesus, Buda, Sócrates, o Juiz e outros.
Nesse que é um dia diferente na vida de Gregório, ele vai a julgamento pelo crime de não ser um homem bom, mesmo quando lhe anunciam que "a bondade é logicamente impossível". O pêndulo é da ética pessoal, universal.
Em detrimento da catarse, do alívio, o texto se pretende francamente dialético. Convida o leitor/espectador a partilhar as sensações e angústias de um ser. Talvez, apenas projeções de sua mente, habitante de subterrâneos.
"Nesse mundo contemporâneo bastante alienado, a peça é um convite para que cada um olhe no espelho e veja o que anda fazendo com sua vida", diz Arieta Corrêa, 27, em seu primeiro papel principal (começou no coro de "Medéia" e fez o "Prêt-à-Porter 6").
Segundo Antunes, 73, o existencialismo do texto traz interseções imediatas com Franz Kafka ("O Processo") e Albert Camus ("O Estrangeiro"), donos de escrita elíptica, densa, seca.
Em meio ao "belo e palavroso" território das idéias que domina a dramaturgia, é intenção do encenador ver refletidos elementos da pintura (a luz de Davi de Brito e Robson Bessa é pontuada por luminárias e velas), buscando o contraste natural das penumbras. Os bonecos de Anne Cerutti contracenam com os atores para almejar o expressionismo.
Tudo amparado pela cenografia de J.C. Serroni, que retoma sua premiada parceria com o CPT. Coube a ele desenhar o espaço teatral da sala preta de ensaios no sétimo andar do Sesc Consolação, que, a cada apresentação, terá arquibancada de três fileiras (70 lugares), com o público a centímetros da cena. À esquerda, há a cama de um vigilante Gregório. À direita, a mesa rústica do tribunal. Essa disposição facilita o trânsito do coro, marca antuniana.
Na interpretação, diz o ator Emerson Danesi (Buda), busca-se uma "emoção essencial" extraída da "aridez, do rigor e da simplicidade de um filme de [Robert] Bresson, por exemplo, sem jamais cair no sentimentalismo". O cinema é um dos itens fundamentais na formação dos atores do CPT.
O elenco observa que, mais do que as duas estréias desta semana, há um componente simbólico na abertura ao público do CPT, espaço sacrossanto de Antunes Filho. Juliana Galdino (Jesus e Juiz) entende como um prolongamento da própria série "PP", lançada em 1998, quando o diretor passa à condição de coordenador, delegando mais autonomia aos atores (pelo menos assim afirmam as duas partes), que escrevem e se autodirigem.
O "PP-6" traz as seguintes cenas com as respectivas duplas de atores: "A Casa da Laurinha" (Juliana Galdino e Simone Feliciano), sobre uma dona de bordel e sua protegida que discutem os rumos de suas vidas; "Senhorita Helena" (Arieta Corrêa e Carlos Morelli), sobre filha de fazendeiro seqüestrada por colono; e "Estrela da Manhã" (Emerson Danesi e Kaio Pezzutti), sobre um transexual que sonha com seios de Madonna e tenta ser convencido pelo cirurgião a mudar de idéia.
Em paralelo às produções, o atual grupo de 12 atores do CPT (das safras mais maduras dos últimos anos, segundo Antunes) ensaia "Antígona", de Sófocles, prevista para o segundo semestre.


GREGÓRIO. De: Paulo Santoro. Direção: Antunes Filho. Com: Centro de Pesquisa Teatral (Geraldo Mário, Kaio Pezzuti, Carlos Morelli, Vímerson Cavanilas, Rodrigo Fregnan, Haroldo José, Marcelo Szpektor, Daniel Tavares, César Augusto e outros). Onde: Espaço CPT-Sesc (r. Dr. Vila Nova, 245, 7º andar, tel. 3234-3000). Quando: estréia hoje, para convidados; temporada a partir de sáb.; sáb., às 21h, e dom., às 19h. Quanto: de R$ 10 a R$ 20.

PRÊT-À-PORTER 6. Quando: estréia amanhã, para convidados; temporada a partir de 3/7; aos sáb., às 18h30. Onde: Espaço CPT-Sesc. De R$ 10 a R$ 20.



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