|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
Antunes Filho dirige espetáculo em que personagem encontra Jesus e Sócrates; "Prêt-à-Porter 6" estréia amanhã
"Canto de Gregório" discute mitos da alma
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"Caro espectador, não estou
aqui para levá-lo a paralisia nenhuma", abre logo o jogo o autor,
Paulo Santoro, no programa do
espetáculo. "Temos a felicidade
de não nos mantermos presos o
tempo todo em nosso quarto às
vezes frio e assustador, questionando os mitos que regem a nossa
alma."
Eis o fardo do protagonista de
"O Canto de Gregório", primeira
montagem de um texto embrionário do círculo de dramaturgia
do Centro de Pesquisa Teatral
(CPT-Sesc), dirigido por Antunes
Filho desde 1999.
O espetáculo estréia hoje no teatro Sesc Anchieta (SP), para convidados. Amanhã, é a vez do
"Prêt-à-Porter 6", três novas cenas da série. Ambos integram a
Mostra Artística do Fórum Cultural Mundial e abrem temporada
para o público no sábado.
Em "O Canto de Gregório", que
amadureceu ao longo de quatro
anos em conversações com Antunes e grupo, Santoro, 31, superpõe
mitos da religião e da filosofia nas
ruminações de um sujeito face a
face consigo e com Jesus, Buda,
Sócrates, o Juiz e outros.
Nesse que é um dia diferente na
vida de Gregório, ele vai a julgamento pelo crime de não ser um
homem bom, mesmo quando lhe
anunciam que "a bondade é logicamente impossível". O pêndulo
é da ética pessoal, universal.
Em detrimento da catarse, do
alívio, o texto se pretende francamente dialético. Convida o leitor/espectador a partilhar as sensações e angústias de um ser. Talvez, apenas projeções de sua mente, habitante de subterrâneos.
"Nesse mundo contemporâneo
bastante alienado, a peça é um
convite para que cada um olhe no
espelho e veja o que anda fazendo
com sua vida", diz Arieta Corrêa,
27, em seu primeiro papel principal (começou no coro de "Medéia" e fez o "Prêt-à-Porter 6").
Segundo Antunes, 73, o existencialismo do texto traz interseções
imediatas com Franz Kafka ("O
Processo") e Albert Camus ("O
Estrangeiro"), donos de escrita
elíptica, densa, seca.
Em meio ao "belo e palavroso"
território das idéias que domina a
dramaturgia, é intenção do encenador ver refletidos elementos da
pintura (a luz de Davi de Brito e
Robson Bessa é pontuada por luminárias e velas), buscando o
contraste natural das penumbras.
Os bonecos de Anne Cerutti contracenam com os atores para almejar o expressionismo.
Tudo amparado pela cenografia
de J.C. Serroni, que retoma sua
premiada parceria com o CPT.
Coube a ele desenhar o espaço
teatral da sala preta de ensaios no
sétimo andar do Sesc Consolação,
que, a cada apresentação, terá arquibancada de três fileiras (70 lugares), com o público a centímetros da cena. À esquerda, há a cama de um vigilante Gregório. À
direita, a mesa rústica do tribunal.
Essa disposição facilita o trânsito
do coro, marca antuniana.
Na interpretação, diz o ator
Emerson Danesi (Buda), busca-se
uma "emoção essencial" extraída
da "aridez, do rigor e da simplicidade de um filme de [Robert]
Bresson, por exemplo, sem jamais
cair no sentimentalismo". O cinema é um dos itens fundamentais
na formação dos atores do CPT.
O elenco observa que, mais do
que as duas estréias desta semana,
há um componente simbólico na
abertura ao público do CPT, espaço sacrossanto de Antunes Filho.
Juliana Galdino (Jesus e Juiz) entende como um prolongamento
da própria série "PP", lançada em
1998, quando o diretor passa à
condição de coordenador, delegando mais autonomia aos atores
(pelo menos assim afirmam as
duas partes), que escrevem e se
autodirigem.
O "PP-6" traz as seguintes cenas
com as respectivas duplas de atores: "A Casa da Laurinha" (Juliana
Galdino e Simone Feliciano), sobre uma dona de bordel e sua protegida que discutem os rumos de
suas vidas; "Senhorita Helena"
(Arieta Corrêa e Carlos Morelli),
sobre filha de fazendeiro seqüestrada por colono; e "Estrela da
Manhã" (Emerson Danesi e Kaio
Pezzutti), sobre um transexual
que sonha com seios de Madonna
e tenta ser convencido pelo cirurgião a mudar de idéia.
Em paralelo às produções, o
atual grupo de 12 atores do CPT
(das safras mais maduras dos últimos anos, segundo Antunes) ensaia "Antígona", de Sófocles, prevista para o segundo semestre.
GREGÓRIO. De: Paulo Santoro. Direção:
Antunes Filho. Com: Centro de Pesquisa
Teatral (Geraldo Mário, Kaio Pezzuti,
Carlos Morelli, Vímerson Cavanilas,
Rodrigo Fregnan, Haroldo José, Marcelo
Szpektor, Daniel Tavares, César Augusto
e outros). Onde: Espaço CPT-Sesc (r. Dr.
Vila Nova, 245, 7º andar, tel. 3234-3000).
Quando: estréia hoje, para convidados;
temporada a partir de sáb.; sáb., às 21h, e
dom., às 19h. Quanto: de R$ 10 a R$ 20.
PRÊT-À-PORTER 6. Quando: estréia
amanhã, para convidados; temporada a
partir de 3/7; aos sáb., às 18h30. Onde:
Espaço CPT-Sesc. De R$ 10 a R$ 20.
Texto Anterior: Obra transpõe digitalização para painéis Próximo Texto: Televisão/crítica: "Senhora" ajuda a consolidar valores democráticos Índice
|