São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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EXPOSIÇÃO

Mostra com 53 trabalhos feitos pelo apresentador de televisão tem abertura hoje para convidados em São Paulo

A novidade de Jô vem do quadro de luz

DA REPORTAGEM LOCAL

1967, Nova York, SoHo, no tempo em que o bairro ao sul da ilha de Manhattan não era um dos endereços mais caros do mundo, mas um aglomerado de galpões e armazéns com meia dúzia de artistas plásticos descobrindo o lugar e ali instalando seus ateliês.
Um deles é Roy Lichtenstein (1923-1997), que viria a ser um dos pais da pop art, famoso por misturar cenas de quadrinhos em suas obras. Entre seus admiradores está José Eugênio Soares, apelido Jô, então com 29 anos, que por acaso está na cidade.
Com a cara de pau que só a pouca idade confere, procura na lista telefônica o sobrenome Lichtenstein. Estava lá, "Lichtenstein, R,". Ele liga, uma pessoa atende.
"Mr. Lichtenstein?"
"Yes."
"Mr. Roy Lichtenstein?"
"Yes."
"Mr. Roy Lichtenstein, the artist?"
"Yes!"
Ele então se identifica como artista plástico -o que é verdade, pois em 1967 Jô já havia exposto seus trabalhos na 9ª Bienal Internacional de São Paulo (a Bienal da pop art), numa individual na galeria Atrium e ganho medalha no Salão de Campinas- e pede para visitar o ateliê. "OK", é a resposta.
Munido, por via das dúvidas, de sua carteira oficial de artista plástico -sim, existia uma, emitida pelo Comitê Nacional de Artes Plásticas-, Jô é recebido já na porta do prédio, entre mendigos, pelo próprio Lichtenstein, que o conduz a seu andar manobrando um elevador pantográfico.
"Foi a primeira vez que vi um loft de verdade", lembra. Num ambiente com um pé-direito de oito metros, entre tubos de aço que vinham do teto até o chão, Lichtenstein trabalhava em algumas telas. O que mais impressionou o jovem artista foi saber que o mestre desenhava as retículas que aparecem em seus quadros uma a uma, à mão. "Nada de usar máscara ou outro artifício", recorda.
Muito do que ele viu então aparece como influência na mostra "Quadro de Luz", que abre hoje em São Paulo e marca a volta a uma atividade que não exercia desde a última individual, de 87.
Estou conversando aqui com Jô Soares, apresentador de TV, escritor, músico, stand-up comedian e, nas horas vagas, artista plástico. (Aplausos imaginários de uma platéia imaginária.)
"Aqui", no caso, é o "Espaço Cultural Jô Soares", apelido que ele deu ao andar que comprou num edifício de Higienópolis para fazer seu escritório. São 600 metros quadrados (o equivalente a cinco bons apartamentos de classe média) decorados de maneira clean, em tons de branco e preto.
Há um microfone, uma câmera digital à guisa de telescópio apontada para o vale do Pacaembu, quadros feitos por Jô e sobre Jô (ele de Reizinho ao lado de Silvia Bandeira ou de Bô Francineide na capa de uma revista "Amiga" antiga), um camarim, um estúdio onde ensaia o sexteto de seu "talk-show" na TV Globo, uma lareira, um piano de cauda, uma jukebox.
E alguns dos 53 quadros que farão parte da exposição, os que ainda não foram transportados ao Mube. Têm curadoria de José Roberto Aguilar, que introduziu Jô nas artes plásticas nos anos 60, quando ambos dividiram um ateliê na rua Frei Caneca, em São Paulo, e Ivald Granato.
É fácil detectar a influência do expressionismo alemão, especialmente o cinema de Murnau, dos quadrinhos de Will Eisner, principalmente Spirit, além do obrigatório Robert Rauschenberg e mesmo toques de Magritte.
"O difícil é apontar uma influência só, saber quem vem antes, quem vem depois", resume Jô. "Talvez um ponto em comum seja mesmo a HQ, que foi a principal influência da pop art."
Quanto à técnica, impedido de pintar desde que sofreu um acidente de moto que limitou a mobilidade de seus braços, há alguns anos, Jô achou uma brecha. Passou a escanear imagens alheias ou feitas por ele com lápis sobre papel, trabalhá-las no computador, para depois imprimi-las com tinta acrílica diretamente sobre as telas, num aparelho especial.
A julgar pelo ritmo, Jô trabalha duro para justificar o título de "Renaissance Man" dado pelo "The New York Times" num perfil elogioso publicado há dois anos. Agora, prepara seu próximo livro -os anteriores, "O Xangô de Baker Street" e "O Homem que Matou Getúlio Vargas", venderam 1 milhão de exemplares.
O tema é segredo, mas ele desistiu das idéias anteriores, um romance no Império Romano ou no Brasil da era dos cassinos.
Assim, até o final do ano, é possível que haja num mesmo dia a mostra, o programa de entrevistas, o show "Na Mira do Gordo" e uma obra nas livrarias, todos de Jô. Ou seja: não vá embora, o gordo volta já já, provavelmente numa nova mídia. (SÉRGIO DÁVILA)


QUADRO DE LUZ. Artista: Jô Soares. Quando: hoje (convidados); a partir de amanhã, das 10h às 19h, até 24/7. Onde: Mube (av. Europa, 218, tel. 0/xx/11/ 3081-8611). Preços: R$ 4.000/ R$ 6.000


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