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EXPOSIÇÃO
Mostra com 53 trabalhos feitos pelo apresentador de televisão tem abertura hoje para convidados em São Paulo
A novidade de Jô vem do quadro de luz
DA REPORTAGEM LOCAL
1967, Nova York, SoHo, no
tempo em que o bairro ao sul da
ilha de Manhattan não era um dos
endereços mais caros do mundo,
mas um aglomerado de galpões e
armazéns com meia dúzia de artistas plásticos descobrindo o lugar e ali instalando seus ateliês.
Um deles é Roy Lichtenstein
(1923-1997), que viria a ser um
dos pais da pop art, famoso por
misturar cenas de quadrinhos em
suas obras. Entre seus admiradores está José Eugênio Soares, apelido Jô, então com 29 anos, que
por acaso está na cidade.
Com a cara de pau que só a pouca idade confere, procura na lista
telefônica o sobrenome Lichtenstein. Estava lá, "Lichtenstein, R,".
Ele liga, uma pessoa atende.
"Mr. Lichtenstein?"
"Yes."
"Mr. Roy Lichtenstein?"
"Yes."
"Mr. Roy Lichtenstein, the artist?"
"Yes!"
Ele então se identifica como artista plástico -o que é verdade,
pois em 1967 Jô já havia exposto
seus trabalhos na 9ª Bienal Internacional de São Paulo (a Bienal da
pop art), numa individual na galeria Atrium e ganho medalha no
Salão de Campinas- e pede para
visitar o ateliê. "OK", é a resposta.
Munido, por via das dúvidas, de
sua carteira oficial de artista plástico -sim, existia uma, emitida
pelo Comitê Nacional de Artes
Plásticas-, Jô é recebido já na
porta do prédio, entre mendigos,
pelo próprio Lichtenstein, que o
conduz a seu andar manobrando
um elevador pantográfico.
"Foi a primeira vez que vi um
loft de verdade", lembra. Num
ambiente com um pé-direito de
oito metros, entre tubos de aço
que vinham do teto até o chão,
Lichtenstein trabalhava em algumas telas. O que mais impressionou o jovem artista foi saber que o
mestre desenhava as retículas que
aparecem em seus quadros uma a
uma, à mão. "Nada de usar máscara ou outro artifício", recorda.
Muito do que ele viu então aparece como influência na mostra
"Quadro de Luz", que abre hoje
em São Paulo e marca a volta a
uma atividade que não exercia
desde a última individual, de 87.
Estou conversando aqui com Jô
Soares, apresentador de TV, escritor, músico, stand-up comedian e, nas horas vagas, artista
plástico. (Aplausos imaginários
de uma platéia imaginária.)
"Aqui", no caso, é o "Espaço
Cultural Jô Soares", apelido que
ele deu ao andar que comprou
num edifício de Higienópolis para
fazer seu escritório. São 600 metros quadrados (o equivalente a
cinco bons apartamentos de classe média) decorados de maneira
clean, em tons de branco e preto.
Há um microfone, uma câmera
digital à guisa de telescópio apontada para o vale do Pacaembu,
quadros feitos por Jô e sobre Jô
(ele de Reizinho ao lado de Silvia
Bandeira ou de Bô Francineide na
capa de uma revista "Amiga" antiga), um camarim, um estúdio
onde ensaia o sexteto de seu "talk-show" na TV Globo, uma lareira,
um piano de cauda, uma jukebox.
E alguns dos 53 quadros que farão parte da exposição, os que
ainda não foram transportados
ao Mube. Têm curadoria de José
Roberto Aguilar, que introduziu
Jô nas artes plásticas nos anos 60,
quando ambos dividiram um ateliê na rua Frei Caneca, em São
Paulo, e Ivald Granato.
É fácil detectar a influência do
expressionismo alemão, especialmente o cinema de Murnau, dos
quadrinhos de Will Eisner, principalmente Spirit, além do obrigatório Robert Rauschenberg e
mesmo toques de Magritte.
"O difícil é apontar uma influência só, saber quem vem antes, quem vem depois", resume
Jô. "Talvez um ponto em comum
seja mesmo a HQ, que foi a principal influência da pop art."
Quanto à técnica, impedido de
pintar desde que sofreu um acidente de moto que limitou a mobilidade de seus braços, há alguns
anos, Jô achou uma brecha. Passou a escanear imagens alheias ou
feitas por ele com lápis sobre papel, trabalhá-las no computador,
para depois imprimi-las com tinta acrílica diretamente sobre as telas, num aparelho especial.
A julgar pelo ritmo, Jô trabalha
duro para justificar o título de
"Renaissance Man" dado pelo
"The New York Times" num perfil elogioso publicado há dois
anos. Agora, prepara seu próximo
livro -os anteriores, "O Xangô
de Baker Street" e "O Homem que
Matou Getúlio Vargas", venderam 1 milhão de exemplares.
O tema é segredo, mas ele desistiu das idéias anteriores, um romance no Império Romano ou no
Brasil da era dos cassinos.
Assim, até o final do ano, é possível que haja num mesmo dia a
mostra, o programa de entrevistas, o show "Na Mira do Gordo" e
uma obra nas livrarias, todos de
Jô. Ou seja: não vá embora, o gordo volta já já, provavelmente numa nova mídia.
(SÉRGIO DÁVILA)
QUADRO DE LUZ. Artista: Jô Soares.
Quando: hoje (convidados); a partir de
amanhã, das 10h às 19h, até 24/7. Onde:
Mube (av. Europa, 218, tel. 0/xx/11/
3081-8611). Preços: R$ 4.000/ R$ 6.000
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