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"Guerra dos Mundos" recupera a histeria marciana
NIGEL ANDREWS
DO "FINANCIAL TIMES"
Eles estão de volta. Ou, citando
o novo "Guerra dos Mundos", este de Steven Spielberg, em cartaz
em sua cidade, em seu Estado ou
em seu país. Na realidade, vale
perguntar: será que eles tinham
chegado a ir embora?
Neste momento em que o público mundial mais uma vez enfrenta uma invasão marciana, também é hora de nos perguntarmos
o motivo: por que, mais ou menos
uma vez a cada geração, precisamos nos submeter a essa psicoterapia sobre ameaças do espaço?
Gritar diante de extraterrestres
deve nos fazer bem. A que outra
conclusão podemos chegar quando analisamos uma história pontilhada de coisas como "A Ameaça que Veio do Espaço", "Invasores de Marte", "O Enigma de Outro Mundo" e "Marte Ataca!"?
A história da histeria marciana
começou com um livro e se aprofundou com uma peça radiofônica. Um homem chamado H.G.
Wells escreveu o livro em 1898.
Um homem chamado Orson Welles fez história na rádio ao dramatizá-la, 40 anos mais tarde.
O livro foi o grande gabarito básico da literatura que gira em torno do tema "os seres alienígenas
que estão entre nós". A dramatização radiofônica pode ser vista
como modelo ainda mais poderoso. Ela quebrou os moldes e as
restrições do protocolo artístico,
provocando choque, ultraje,
emoção e pânico desbragado.
Em 30 de outubro de 1938, Orson Welles e seu grupo de teatro
Mercury Theatre encenaram na
rádio CBS algo que hoje seria descrito como falso documentário.
"A Guerra dos Mundos", em
adaptação assinada por Howard
Koch, foi apresentada como uma
transmissão ao vivo de uma notícia real. O pânico se espalhou entre os ouvintes quando o que pareciam ser repórteres externos
apavorados foram ouvidos descrevendo a aparência e o comportamento de marcianos que teriam
aterrissado com sua nave em Grover's Mill, Nova Jersey, a 32 km de
Princeton. Durante a transmissão, um suposto especialista foi
chamado da própria Universidade Princeton para comentar o que
estaria acontecendo. A utilização
desse reduto do mundo acadêmico como ponto magnético centralizador do drama acabou por ter
uma ressonância impressionante.
Em poucos minutos, ouvintes
americanos estavam chamando a
polícia, abandonando suas casas,
correndo para os parques das cidades ou enfrentando engarrafamentos provocados pelos carros
em fuga. A base naval de Nova
York cancelou as licenças em terra dos marinheiros. Dois professores de geologia de Princeton
saíram para procurar evidências
de um meteoro caído.
O toque magistral de Orson
Welles foi iniciar a transmissão
com uma suposta interrupção da
programação normal, de modo
que a primeira notícia da invasão
marciana interrompeu uma sessão de música que vinha induzindo um clima de falsa segurança.
Depois de ter vivido seus melhores momentos primeiro na página impressa e depois nas ondas
radiofônicas públicas, a invasão
alienígena chegou às salas de projeção dos cinemas. Isso aconteceu
após a Segunda Guerra Mundial.
O primeiro filme "Guerra dos
Mundos", de 1953, foi uma bobagem em estilo "Dia do Julgamento Final". Baseando-se em imagens de aspiradores de pó animados e munidos de tentáculos, difundiu a idéia de que "eles querem nos pegar", sendo que "eles"
poderiam ser decodificados ou
como os marxistas ou como as
nações nuclearizadas.
O fato de quase todos os filmes
de terror dos anos 50 sobre invasões espaciais terem sido trabalhos de baixo orçamento foi revelador. Hollywood não achava que
o espaço sideral justificasse um
investimento pesado. O cinema
espacial precisou esperar até o final dos anos 70 ou início dos anos
80 para ganhar grandes orçamentos. O terror foi substituído pela
aventura de desenho animado e o
folclore ("Star Wars", "Jornada
nas Estrelas: O Filme"), por filmes
de cineastas cinéfilos convencidos
de que os extraterrestres eram algo como crianças simpáticas, talvez grandes demais ("Contatos
Imediatos do Terceiro Grau",
"ET", "Viagem ao Mundo dos Sonhos") ou por aventuras de terror
nas quais os monstros eram tão
distantes de nós que não representavam ameaça. Quantos anos-luz isso não está do pânico nas
ruas, real e perturbador das obras
de Wells e de Welles?
Quando os invasores finalmente voltaram à Terra para valer, em
meados dos anos 90, com os lançamentos de "Independence
Day", "Homens de Preto" e "Marte Ataca!", o tom de brincadeira já
se tornara dominante.
Em 2005, para nos emocionarmos realisticamente com a idéia
da vida no espaço, temos que pensar em micróbios, proteínas ou
bactérias ocultos. Não existe mais
"leve-me até seu líder". Há apenas
"mostre-me seus aminoácidos".
Em "Guerra dos Mundos" de
Steven Spielberg, o herói é um sujeito de classe trabalhadora de
Nova Jersey (Tom Cruise) que se
distanciou de sua família, preocupa-se apenas consigo mesmo e é
um ser humano com defeitos. A
impressão é que Spielberg estaria
nos oferecendo um drama moral
disfarçado de aventura de ficção
científica. Mas será que é isso o
que queremos de um filme sobre
o terror espacial? Esse viés humanista caloroso foi o que havia de
errado em "ET" e "Contatos Imediatos". Mas os tempos atuais tornam difícil imaginar que uma história sobre ameaças vindas de
Marte possa mexer com as entranhas do público como fez na época de Wells ou de Welles, mesmo
que faça referências subjacentes à
limpeza étnica, como se comenta.
Os 40 anos e 40 noites que separaram o romance do drama radiofônico não constituíram separação nenhuma. Foram uma trajetória ininterrupta de pesadelo
para um mundo que sofreu uma
grande guerra e se preparava para
outra e, nos entretempos, se dava
conta de que o sistema solar era
um lugar grande e nunca mapeado. Se horrores criados pelo homem puderam cair dos céus abertos sobre a Terra, quem poderia
prever que outros terrores, produzidos em regiões mais distantes, não seriam capazes de fazer o
mesmo? Assim, duas grandes
obras, ambas as quais compreenderam essa capacidade para o pânico, expuseram e exploraram esse sentimento com o objetivo artístico último de expor seu significado e, possivelmente, exorcizá-lo. A histeria marciana era a versão poética da histeria de massas.
Como as grandes obras trágicas,
ela nos mostrava o quão rapidamente o homem pode ser destituído de sua aparente humanidade e dignidade, mas, ao mesmo
tempo, quão ferozmente ele é capaz de lutar para conservá-la.
Tradução de Clara Allain
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