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Gla Costa
Entre o amor e a política
Robert Price/Folha Imagem
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A cantora Gal Costa, que lança "Gal de Tantos Amores", antes previsto para sair em junho |
Produzido por Daniel Filho, novo disco da cantora foi adiado devido ao apoio ao então senador ACM
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Amor e política são os dois
pesos da balança no ato de
lançamento de "Gal de Tantos
Amores", a mais nova obra artística da cantora baiana ex-tropicalista Gal Costa, 55.
Tentando voltar a soar conceitual, ela chamou o diretor televisivo global Daniel Filho para ajudá-la, com o arranjador Wagner Tiso, a centrar na palavra-chave
"amor" a escolha das 12 canções
que decidiu interpretar, nenhuma
delas inédita. Foi o diretor de TV
(e agora produtor musical) que
sugeriu o amor como conceito.
Politicamente, Gal adicionou
como bônus a única faixa inédita
do CD, "Caminhos do Mar", que
não fala de amor, mas faz sucesso
como tema de abertura da novela
também global das oito.
Mais política veio de enxurrada,
desde que Gal se obrigou a adiar o
lançamento do álbum (sairia em
junho passado), baqueada pela
má reação pública a seu apoio
também público ao então arruinado senador Antonio Carlos
Magalhães.
Política de arte e comércio fecha
a equação. Acomodado entre repertório pouco ambicioso, arranjos orquestrais emotivos e suaves
tons interioranos, o disco é pensado para reaproximar Gal, tida como intérprete sofisticada, de um
público brutalizado que parou de
ouvir a sagrada MPB para consumir axé e pagode romântico.
Seus discos têm vendido pouco,
se se comparar com outras fases
de Gal e com os vendedores de
milhão da era axé/pagode. Declarados pela gravadora BMG, foram
480 mil exemplares do "Acústico
MTV" (97), 140 mil de "Aquele
Frevo Axé" (98) e 330 mil de "Gal
Costa Canta Tom Jobim" (99).
Mais expressiva que as vendagens
é a relativa ausência de uma de
nossas melhores cantoras do imaginário popular recente do país.
Para complicar, uma Gal política de comportamento inocente
útil associou ao imaginário de sua
arte o das falcatruas políticas que
hoje dominam o Brasil. Seu disco
não será mais lido como mera e
pura arte (ou comércio?), o que é
uma pena, se não um equívoco.
Mas, de onde está agora, Gal se
faz metáfora viva, coberta pela
inocência útil de arranjos, melodias e letras de amor convencionais. A primeira faixa, por exemplo, é a grande "Outra Vez", de
Isolda, que Roberto Carlos tornou
hino nacional de amor em 77/78,
embalando outra novela global
dirigida por Daniel Filho.
Secundada por orquestra bem
comportada, Gal canta "Outra
Vez" num tom sorridente de voz
(se é que isso pode haver). O vocal
emoldura um sorriso bobo, que
pode ser de amor ou paixão, mas
pode ser também o de quem não
pensa bem no que está cantando
ou falando. A ausência volta a assombrar o pacto entre ela e nós.
Tudo se move aos solavancos, e
o instante posterior ao de "Outra
Vez" desfaz de todo o sorriso bobo. Sem truques de orquestra, "A
Última Estrofe" (de Cândido das
Neves, sucesso do início do outro
século com Orlando Silva) vem
em arranjo de regional, com Henrique Cazes ao cavaquinho e muita delicadeza picando a voz da dama. Ali Gal se esbalda, transborda, revalida o pacto.
Pena, também, é que momentos
como o de "A Última Estrofe" sejam tão poucos no CD. Algo parecido, mas com menor intensidade, até se dá na releitura de "O
Amor" (de Caetano sobre poema
de Maiakóvski, gravado por ela
em 81), em sua adesão à parceria
de Jorge Ben e Toquinho em "Que
Maravilha" (71), talvez em "Folhetim" (de Chico Buarque, que já
cantara em 78).
De resto, os arranjos "amorosos" antiquados são de um desânimo atroz, mais evidente ainda
quando Gal reinterpreta dardos
tropicalistas como a guarânia "Índia" (já é a terceira vez) e a obra-prima de Jorge Ben "Que Pena
(Ela Já Não Gosta Mais de Mim)".
Extirpando de tais canções os
gritos lancinantes que elas guardavam nos 60 e 70 e transformando "Que Pena" em reggaezinho
fuleiro, é ela que suscita malvadas
comparações, não somos nós.
O descompasso acaba sendo de
fundo conceitual, mesmo. Oculta-se a diva tropicalista (essa nunca deixará de existir) atrás de uma
cafonice calculada, que possa ser
vendida tanto como chique quanto como kitsch.
Em outras palavras, ela acende
duas velas, em "Gal de Tantos
Amores", e espera ter Deus, o Diabo e a patuléia inscritos em seu fã-clube. Não dá certo, porque Gal é
dum tempo em que já existiam o
amor e as posições políticas, mas
os fãs elegiam seus ídolos, e não o
contrário. Volta, grande cantora.
Gal de Tantos Amores
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 25, em média
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