São Paulo, quarta-feira, 01 de agosto de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gla Costa

Entre o amor e a política

Robert Price/Folha Imagem
A cantora Gal Costa, que lança "Gal de Tantos Amores", antes previsto para sair em junho


Produzido por Daniel Filho, novo disco da cantora foi adiado devido ao apoio ao então senador ACM

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Amor e política são os dois pesos da balança no ato de lançamento de "Gal de Tantos Amores", a mais nova obra artística da cantora baiana ex-tropicalista Gal Costa, 55.
Tentando voltar a soar conceitual, ela chamou o diretor televisivo global Daniel Filho para ajudá-la, com o arranjador Wagner Tiso, a centrar na palavra-chave "amor" a escolha das 12 canções que decidiu interpretar, nenhuma delas inédita. Foi o diretor de TV (e agora produtor musical) que sugeriu o amor como conceito.
Politicamente, Gal adicionou como bônus a única faixa inédita do CD, "Caminhos do Mar", que não fala de amor, mas faz sucesso como tema de abertura da novela também global das oito.
Mais política veio de enxurrada, desde que Gal se obrigou a adiar o lançamento do álbum (sairia em junho passado), baqueada pela má reação pública a seu apoio também público ao então arruinado senador Antonio Carlos Magalhães.
Política de arte e comércio fecha a equação. Acomodado entre repertório pouco ambicioso, arranjos orquestrais emotivos e suaves tons interioranos, o disco é pensado para reaproximar Gal, tida como intérprete sofisticada, de um público brutalizado que parou de ouvir a sagrada MPB para consumir axé e pagode romântico.
Seus discos têm vendido pouco, se se comparar com outras fases de Gal e com os vendedores de milhão da era axé/pagode. Declarados pela gravadora BMG, foram 480 mil exemplares do "Acústico MTV" (97), 140 mil de "Aquele Frevo Axé" (98) e 330 mil de "Gal Costa Canta Tom Jobim" (99). Mais expressiva que as vendagens é a relativa ausência de uma de nossas melhores cantoras do imaginário popular recente do país.
Para complicar, uma Gal política de comportamento inocente útil associou ao imaginário de sua arte o das falcatruas políticas que hoje dominam o Brasil. Seu disco não será mais lido como mera e pura arte (ou comércio?), o que é uma pena, se não um equívoco.
Mas, de onde está agora, Gal se faz metáfora viva, coberta pela inocência útil de arranjos, melodias e letras de amor convencionais. A primeira faixa, por exemplo, é a grande "Outra Vez", de Isolda, que Roberto Carlos tornou hino nacional de amor em 77/78, embalando outra novela global dirigida por Daniel Filho.
Secundada por orquestra bem comportada, Gal canta "Outra Vez" num tom sorridente de voz (se é que isso pode haver). O vocal emoldura um sorriso bobo, que pode ser de amor ou paixão, mas pode ser também o de quem não pensa bem no que está cantando ou falando. A ausência volta a assombrar o pacto entre ela e nós.
Tudo se move aos solavancos, e o instante posterior ao de "Outra Vez" desfaz de todo o sorriso bobo. Sem truques de orquestra, "A Última Estrofe" (de Cândido das Neves, sucesso do início do outro século com Orlando Silva) vem em arranjo de regional, com Henrique Cazes ao cavaquinho e muita delicadeza picando a voz da dama. Ali Gal se esbalda, transborda, revalida o pacto.
Pena, também, é que momentos como o de "A Última Estrofe" sejam tão poucos no CD. Algo parecido, mas com menor intensidade, até se dá na releitura de "O Amor" (de Caetano sobre poema de Maiakóvski, gravado por ela em 81), em sua adesão à parceria de Jorge Ben e Toquinho em "Que Maravilha" (71), talvez em "Folhetim" (de Chico Buarque, que já cantara em 78).
De resto, os arranjos "amorosos" antiquados são de um desânimo atroz, mais evidente ainda quando Gal reinterpreta dardos tropicalistas como a guarânia "Índia" (já é a terceira vez) e a obra-prima de Jorge Ben "Que Pena (Ela Já Não Gosta Mais de Mim)".
Extirpando de tais canções os gritos lancinantes que elas guardavam nos 60 e 70 e transformando "Que Pena" em reggaezinho fuleiro, é ela que suscita malvadas comparações, não somos nós.
O descompasso acaba sendo de fundo conceitual, mesmo. Oculta-se a diva tropicalista (essa nunca deixará de existir) atrás de uma cafonice calculada, que possa ser vendida tanto como chique quanto como kitsch.
Em outras palavras, ela acende duas velas, em "Gal de Tantos Amores", e espera ter Deus, o Diabo e a patuléia inscritos em seu fã-clube. Não dá certo, porque Gal é dum tempo em que já existiam o amor e as posições políticas, mas os fãs elegiam seus ídolos, e não o contrário. Volta, grande cantora.

Gal de Tantos Amores   
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 25, em média



Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: "Político é político, artista é artista"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.