São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SEDE DE QUÊ?

"Sabor" e pureza podem definir qualidade de pratos e de bebidas

Água é "subestimada" no Brasil

LUIZ HENRIQUE HORTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

No reino da abundância foodie, uma das mais recentes maluquices -surpresa!- é a água. Essa mesma, que damos como certa ao abrirmos a torneira, está virando moda e obsessão, com gente que paga caro por algumas mais raras, faz curso de degustação, estuda a harmonização com comidas como se fossem vinhos.
Um certo exagero. No site www.bottledwaterweb.com, mediante assinatura mensal de US$ 1.600 (somente nos Estados Unidos, no exterior passa por consulta...), você passa a receber um kit em casa com 60 diferentes tipos de águas minerais, algumas de fontes minúsculas e perdidas numa geleira ou no deserto. E, por falar em deserto, esse é o panorama de São Paulo no assunto.
Há um bar de águas, recentemente inaugurado no Empório Santa Maria, que oferece poucas escolhas. Percorrendo as mercearias e casas especializadas em importados, é possível recolher, no máximo, três dezenas de marcas, sendo difícil até comprar as nacionais de maior qualidade, como a Cambuquira e a Caxambu. Não precisamos chegar à obsessão, mas algumas escolhas a mais seriam benéficas, pelo menos para satisfazer a curiosidade.
Das 11 citadas por Jeffrey Steingarten no "Homem que Comeu de Tudo" (ed. Cia. das Letras) como as melhores do mundo, não foi possível encontrar nenhuma sequer, nem as mais populares, como a alemã Volvic ou a italiana Fiuggi. Fazem falta também as ultradigestivas Vichy-Célestins, a Vichy-Catalan e a belga Spa.
Mesmo assim, vale a pena fazer uma degustação em casa com as que estão disponíveis, para descobrir que existem características em cada uma e, num valioso exercício de treinamento dos sentidos, achar um sabor para cada.
Ao contrário do que aprendemos na escola, água tem gosto -sutil, quase indiscernível, mas tem. É possível perceber as mais salgadas, as mais redondas, as que matam mais a sede. Há águas melhores do que outras, o conteúdo de minerais e sais varia muito entre elas. Nas mais ricas, há de cálcio a lítio (a São Lourenço, por exemplo, é saborosa, barata e tem lítio; e, por pertencer à Perrier, é uma versão nacional da mais famosa água do mundo).
Nos restaurantes há pouco interesse no assunto. A água é como uma coisa que o garçom serve mecanicamente e que sorvemos da mesma forma, enquanto nos ocupamos do pato. E não custa lembrar: somos percentualmente mais água do que tudo -mais que patos, com certeza.
É divertido ver a surpresa das pessoas quando se pede a "carta de águas" em alguns lugares da cidade. Você recebe respostas perplexas, engraçadas ou impublicáveis, e algumas, felizmente, honestas, como a de Fabiano Aureliano, sommelier do A Figueira Rubaiyat: "Água é água, se é pura, está bem. Vinho é que combina de verdade com boa comida". Dito, sem afetações.
É preciso lembrar também que água é usada para cozinhar, e um gosto de plástico ou de cloro pode arruinar um prato ou um chá delicado. Ricardo Cunha, chef do Produções Culinárias, sublinha a necessidade de usar as minerais engarrafadas para preparos que não são fervidos, um cuidado de saúde neste país das contaminações e uma garantia de neutralidade: água não é tempero.
Além de produto gourmet, água é vital. A Organização Mundial de Saúde, nos seus guias de alimentação, admite que cheiro e sabor já não são excludentes na qualificação das águas, aceitando como potáveis aquelas que não contenham bactérias e microrganismos nocivos, ampliando a quantidade dentro dos padrões, para responder à crescente falta do produto. Mais do que chique, a água pura está se tornando um luxo; há lugares em que é tão escassa que chega a ser traficada. Mart de Villiers conta em "Água" (ed. Ediouro) que na sua Botsuana natal ele pensava que o mecanismo que a retirava do poço fundíssimo é que "fabricava" a substância.
Levemos isso em consideração.


Texto Anterior: Gastronomia: Lino Villaventura põe a mesa
Próximo Texto: Mundo Gourmet: Sultão persegue a cozinha libanesa autêntica
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.