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O cérebro de Homer
Roteirista Al Jean conta a história do sucesso dos Simpsons
ED CAESAR
DO "INDEPENDENT"
Al Jean não aparenta ser um dos
homens mais divertidos do planeta. Ele não faz observações hilárias sobre cultura pop nem arrasa
as pessoas compulsivamente com
seu humor incisivo. Em lugar disso, o homem que, na condição de
roteirista chefe, presidiu 375 episódios de "Os Simpsons" -que
pode ser descrito como o programa de TV mais engraçado da história- apenas chega, senta-se
sem alarde, pede uma água e começa a falar em tom ofegante.
"Acabamos de gravar o episódio com Ricky Gervais", diz ele,
falando com as vogais finas do sotaque de Detroit, onde passou sua
infância. "Ele queria fazer alguma
coisa para tirar sarro de "Troca de
Esposas". Então fizemos uma história em que ele manda sua mulher para a família Simpson em
troca de Marge, que ele corteja
com flores e uma canção. É um
episódio superengraçado."
Jean é grandalhão e desajeitado;
com sua camisa pólo e calças casuais, parece um garotão universitário de 44 anos. Lembrando do
episódio, ele dá uma risadinha fina. "Ricky passou por lá para buscar os Globos de Ouro que recebeu por "The Office". Havia tantos
roteiristas fãs dele que resolvemos
lhe oferecer um almoço. Ele falou
que estaria interessado em escrever um episódio conosco. Num
instante, a idéia já tinha virado
notícia mundial."
Gervais é mais uma celebridade
do longo rol das que já correram
para aceitar a chance de ser imortalizadas no seriado animado
mais famoso do mundo. Thomas
Pynchon, Stephen Hawking e
Tony Blair estão entre as pessoas
que já apareceram "como elas
mesmas" no programa. E é sempre Jean que pega um avião de Los
Angeles, onde vive com sua mulher, para encontrar os candidatos a astros. "Todos eles são fãs
-isso é importante", diz Jean.
"Ricky também é. Foi por isso que
ele quis fazer o programa."
Será que há outros fãs que Jean
gostaria de incluir no futuro?
"Fiquei um pouco espantado ao
saber que o arcebispo de Canterbury era um fã tão grande. Talvez
a gente tenha que chamá-lo para o
show. Mas eu me espantaria de
verdade se conseguíssemos fazer
o novo papa entrar na nossa."
Tudo poderia ter sido tão diferente para Jean, que é roteirista do
programa desde sua criação, em
1989. "Estavam procurando roteiristas para transformar os episódios curtos do "Tracy Ullman
Show" em episódios de meia hora.
Eu fui um dos primeiros contratados. Muitos de meus amigos roteiristas não queriam fazer o trabalho porque era desenho animado, mas quando dei uma olhada
nos nomes -James Brooks, Sam
Simon, Matt Groening-, percebi
que, no mínimo, seria um programa de qualidade. O fato de ser
animado pelo menos o destacaria.
Então aceitei o trabalho."
Até então Jean vinha trabalhando com Garry Shandling (conhecido por "Larry Sanders") e, antes
disso, no "National Lampoon
Magazine". Ele admite que era
uma situação que só lhe apresentava dois resultados possíveis: ganhar ou ganhar. "Não era exatamente um risco. Estávamos dando um tempo de quatro meses entre uma temporada e outra do
Garry Shandling, então tínhamos
tempo. "Os Simpsons" estavam
oferecendo empregos de dois dias
por semana nos primeiros 13 episódios. Era a chance de entrar
desde o começo numa coisa que
acabou superando até meus sonhos mais desvairados."
Em 1989 havia cinco roteiristas.
Hoje há 20 -"simplesmente os
melhores da cidade". Com esse
miniexército de cabeças, levar o
conceito da primeira gargalhada
até o produto pronto é praticamente uma operação militar.
"Geralmente um ou dois dos roteiristas me propõem um episódio. Mas eu sou superexigente
quanto às idéias que chegam a virar roteiro. Uma vez aprovada a
idéia, o roteirista original a transforma num primeiro rascunho.
Então o resto da equipe põe as
mãos em cima e reescreve tudo
quatro ou cinco vezes, antes de o
elenco chegar a dar sequer uma
olhada no material."
Processo de criação
"Nós ficamos o tempo todo fazendo modificações aqui e ali, fazendo pequenas mudanças nas
"gags", enquanto o elenco acrescenta improvisos. Então o programa é enviado para os animadores,
que criam uma versão de rascunho, conhecida como "animatic".
Depois reescrevemos. Isso feito,
enviamos a coisa toda à Coréia,
onde fazem a animação final em
cores. Entre a primeira idéia e o
programa pronto, leva mais ou
menos um ano."
Com essa demora toda, existe o
risco de ocorrer algum imprevisto? "Claro que sim", diz Jean. "Escrevemos um episódio que incluía a União Soviética. Quando o
episódio estava pronto para ir ao
ar, a URSS já tinha deixado de
existir. Tivemos que mudar tudo.
Mas não fazemos episódios com
elementos que vão perder o sentido em pouco tempo. Eles refletem
tendências mais amplas. Fazemos
piadas sobre a dificuldade de
comprar drogas receitadas por
médicos nos EUA, sobre o casamento entre gays ou o suicídio assistido. Tudo isso ainda vai ser assunto quente daqui a um ano."
É difícil imaginar a conservadora rede Fox curtindo o material
sobre suicídio assistido. Como
funciona essa relação? "Nunca tivemos problemas com a Fox", diz
Jean diplomaticamente. "Eles têm
espírito esportivo."
Ele prossegue: "Este programa
não existiria sem a Fox. Quando
começamos, só havia três redes
abertas nos EUA. Alguém tinha
que apostar US$ 13 milhões nos
"Simpsons", e a Fox se dispôs a
tentar algo novo e muito arriscado. Ela deixou o programa ter a liberdade que não desfrutaria em
nenhuma outra rede".
"Agora, também é verdade que
o programa rende dinheiro cada
vez que vai ao ar nos EUA. Quando se contabilizam também as
vendas no exterior e os DVDs, "Os
Simpsons" ainda é um grande negócio. Mas, para que ele continue
a ser sucesso comercial, é preciso
que as pessoas continuem a gostar dele em termos artísticos."
Então o que esse guardião do legado de "O Simpsons" pensa da
idéia de que o programa não é o
mesmo desde os "anos dourados"
das temporadas três a cinco? "Eu
me lembro de ouvir comentários
de que o programa vem decaindo
desde a primeira ou segunda temporada", diz ele. "É a natureza humana. Existem muito poucas coisas culturais que as pessoas
acham que estão melhores hoje
do que foram no passado. Eu,
pessoalmente, não percebo uma
queda na qualidade."
Mas algo aconteceu, sim, entre
as primeiras duas temporadas e as
três seguintes: uma mudança de
um programa centrado em Bart
para o universo próprio de Homer. "As pessoas dizem isso, sim,
mas foi uma coisa totalmente inconsciente. Começamos a fazer
mais episódios baseados em Homer, só isso. Bart era e ainda é tremendamente popular, mas,
quando estávamos propondo
idéias, achávamos mais fácil pensar em histórias com Homer do
que com Bart. Talvez seja porque
um garoto de dez anos não tem
uma vida tão rica quanto um homem adulto. Além disso, os roteiristas já têm idades mais perto da
de Homer. Agora, ultimamente,
estão surgindo mais episódios
voltados a Abe [o pai de Homer]."
Al Jean parece querer desmentir
sugestões de que haja algo maior
por trás de "Os Simpsons". Para
ele, o programa é apenas engraçado, nada mais. Pergunto o que ele
pensa de toda a literatura filosófica e teológica envolvendo "Os
Simpsons". "É verdade, dá para
fazer um curso sobre os Simpsons
em Berkeley", ele comenta, rindo.
"Tudo bem, acho. Só quero ressaltar que o programa não tem
nenhuma crença ou tendência religiosa comum, porque é produto
de várias pessoas."
A filosofia dos Simpsons
"Se existe alguma postura que o
programa defende, pode ser essa
coisa de que existem enormes forças impessoais no mundo dispostas a destruir o sujeito pequeno.
Mas o programa não tem posição
formada a respeito do casamento
gay, por exemplo. Fica a cargo do
espectador decidir. Já ouvi pessoas dizerem que "Os Simpsons" é
um jeito mais fácil de levar os estudantes a curtir filosofia do que
fazê-los ler Schopenhauer e
Nietzsche, mas não sei se isso
quer dizer que somos uma coisa
boa ou ruim."
O alto grau de expectativa em
torno de "Os Simpsons" provoca
ansiedade em Jean? "É uma coisa
que assusta um pouco. O programa é tão querido. Não quero ser o
sujeito que estará dirigindo o programa no dia em que ele perder
essa coisa. Essa é a coisa mais assustadora na minha vida." É -,
agora entendi por que o homenzinho engraçado no sofá ficou tão
sério.
Tradução de Clara Allain
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