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ENSAIO
Record lança "Devagar", livro em que o jornalista Carl Honoré estabelece o ataque ao culto desmedido à velocidade
Britânico desenvolve o elogio da lentidão
VANESSA DE SÁ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quatro anos atrás, o jornalista
britânico Carl Honoré esperava
no aeroporto de Roma o vôo que
o levaria de volta a Londres, quando passou os olhos por um jornal
e deu com um artigo que, segundo ele, começaria a mudar a sua
vida. "Eu estava lendo o jornal e vi
um artigo cujo título era "Histórias para fazer dormir em um minuto". No começo aquilo me deu
um estalo. "É uma grande idéia".
Mas logo pensei: é ridículo. E, como jornalista, achei que tinha que
escrever sobre esse tipo de coisa",
disse ele, em entrevista à Folha
por telefone.
Foi o que o levou a desenvolver
o Slow Movement, personagem
central de "Devagar - Como um
Movimento Mundial Está Desafiando o Culto da Velocidade",
que será lançado no próximo dia
6 pela Editora Record.
Honoré, um "ex-speedholic"
que tinha mania de trabalhar, comer e até ler histórias para seus filhos na beira da cama o mais rápido possível, descobriu uma resistência global contra a cultura da
velocidade materializada em grupos que vêm repensando o cozinhar e o comer (o já conhecido
Slow Food), o urbanismo, o design e até o sexo. "Devagar" não
só descreve as investidas desses
revolucionários dos tempos modernos, mas parece mostrar que o
contra-ataque está ficando cada
mais organizado. "O Slow Movement está explodindo", proclama.
Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - Você diria que o Slow Movement é antes de tudo um movimento de resistência?
Carl Honoré - Acho que sim. É o
começo de uma mudança cultural, uma revolução cultural até,
uma mudança no modo como
pensamos o tempo, a velocidade,
a lentidão. O que hoje acontece é
colocar quantidade antes de qualidade. Mas estamos vendo mais e
mais pessoas dizendo: "Espere aí.
Eu não quero mais quantidade.
Quero mais qualidade". E o jeito
de conquistar essas coisas, chegar
lá, é desacelerar um pouquinho.
Folha - Como essas pessoas estão
fazendo isso na vida real?
Honoré - De diversas formas.
Outro dia eu entrevistei um cara
de uma grande empresa de software na Califórnia. Veja, era uma
empresa de software. Eles devem
amar computadores! Nada contra
computadores ou tecnologia. Eles
são ótimos! O problema é que a
gente acabou esquecendo como
se faz para desligá-los. Essa empresa criou a "sexta-feira livre de
e-mails" (e-mail free Friday). Um
ano depois, perceberam que a
sexta-feira era o dia mais produtivo da semana porque as pessoas
conseguiam ter um tempo maior
para criar sem serem interrompidas o tempo todo por e-mails.
Folha - Você acredita que os produtos culturais também podem se
beneficiar do Slow Movement?
Honoré - Certamente. Acho até
que pode ser a salvação da cultura
moderna. No passado, as pessoas
se referiam à lentidão como "coisa de velhos". Hoje, você já encontra jovens começando a entender
que a lentidão tem poder, beleza e
valor no mundo moderno. Veja
as crianças. O exemplo perfeito
no momento é Harry Potter. Cinco anos atrás muita gente diria
que ler é devagar demais, que os
jovens jamais se aproximariam
dos livros de novo, que iriam preferir jogar videogames ou mandar
torpedos em seus celulares. Mas
os jovens provaram o contrário.
Ler é o exemplo máximo da desaceleração porque apreciar uma
obra significa que você tem de determinar o seu ritmo, ler mais rápido quando se quer, ou mais lentamente se desejar, ou seja, encontrar seu próprio "tempo".
Folha - Mas há uma poderosa propaganda por trás disso, não?
Honoré - Você pode gastar bilhões de dólares em propaganda,
mas, se não for bom, as crianças
não vão gostar. Não importa
quanto foi gasto em marketing
com Harry Potter. O que interessa
é que milhões de jovens estão lendo de novo.
Folha - Você descreve grupos que
trabalham novas formas de urbanismo. O urbanismo segundo o
Slow Movement pode ser aplicado
a cidades como São Paulo?
Honoré - A idéia das "slow cities"
começou em pequenas cidades na
Itália, mas vários de seus princípios podem ser aplicados a grandes cidades. Na verdade até já estão. Em Trafalgar Square, bem no
centro de Londres, por exemplo,
eles bloquearam uma das ruas para permitir que as pessoas caminhassem, pintassem etc. Em Vancouver, há mudanças no sistema
de tráfego para dar mais espaço
para os pedestres. Eu acho que seria muito mais difícil aplicar esses
conceitos a cidades como São
Paulo ou Rio, onde há favelas, onde se contrói sem nenhum controle. Mesmo assim, certos princípios desse tipo de urbanismo podem ser aplicados no Brasil.
Folha - Quem são as pessoas por
trás do Slow Movement?
Honoré - Há um grande tabu sobre a lentidão em nossa cultura,
que a coloca como sinônimo de
algo ruim, de preguiça, de dormir
muito e trabalhar pouco. O Slow
Movement está dizendo que a desaceleração pode ser boa. A velocidade é boa, a rapidez é boa, mas
a lentidão também. É importante
que as pessoas saibam que esses
grupos não são compostos por
pessoas velhas e preguiçosas. Há
muitos jovens envolvidos nessa
mudança. Parece que chegamos a
uma encruzilhada em que temos
duas opções: ir cada vez mais rápido até chegarmos ao esgotamento de nossa cultura ou escolher uma outra via, em que, sim,
podemos ter tecnologia e velocidade, mas onde há espaço para a a
quietude, o silêncio e tudo aquilo
que perdemos neste mundo hiper-rápido, hiperestimulante e hipercheio de trabalho.
Devagar
Autor: Carl Honoré
Tradução: Clóvis Marques
Editora: Record
Quanto: R$ 39,90 (350 págs.)
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