São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2005

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ENSAIO

Record lança "Devagar", livro em que o jornalista Carl Honoré estabelece o ataque ao culto desmedido à velocidade

Britânico desenvolve o elogio da lentidão

VANESSA DE SÁ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quatro anos atrás, o jornalista britânico Carl Honoré esperava no aeroporto de Roma o vôo que o levaria de volta a Londres, quando passou os olhos por um jornal e deu com um artigo que, segundo ele, começaria a mudar a sua vida. "Eu estava lendo o jornal e vi um artigo cujo título era "Histórias para fazer dormir em um minuto". No começo aquilo me deu um estalo. "É uma grande idéia". Mas logo pensei: é ridículo. E, como jornalista, achei que tinha que escrever sobre esse tipo de coisa", disse ele, em entrevista à Folha por telefone.
Foi o que o levou a desenvolver o Slow Movement, personagem central de "Devagar - Como um Movimento Mundial Está Desafiando o Culto da Velocidade", que será lançado no próximo dia 6 pela Editora Record.
Honoré, um "ex-speedholic" que tinha mania de trabalhar, comer e até ler histórias para seus filhos na beira da cama o mais rápido possível, descobriu uma resistência global contra a cultura da velocidade materializada em grupos que vêm repensando o cozinhar e o comer (o já conhecido Slow Food), o urbanismo, o design e até o sexo. "Devagar" não só descreve as investidas desses revolucionários dos tempos modernos, mas parece mostrar que o contra-ataque está ficando cada mais organizado. "O Slow Movement está explodindo", proclama. Leia a seguir trechos da entrevista.
 

Folha - Você diria que o Slow Movement é antes de tudo um movimento de resistência?
Carl Honoré -
Acho que sim. É o começo de uma mudança cultural, uma revolução cultural até, uma mudança no modo como pensamos o tempo, a velocidade, a lentidão. O que hoje acontece é colocar quantidade antes de qualidade. Mas estamos vendo mais e mais pessoas dizendo: "Espere aí. Eu não quero mais quantidade. Quero mais qualidade". E o jeito de conquistar essas coisas, chegar lá, é desacelerar um pouquinho.

Folha - Como essas pessoas estão fazendo isso na vida real?
Honoré -
De diversas formas. Outro dia eu entrevistei um cara de uma grande empresa de software na Califórnia. Veja, era uma empresa de software. Eles devem amar computadores! Nada contra computadores ou tecnologia. Eles são ótimos! O problema é que a gente acabou esquecendo como se faz para desligá-los. Essa empresa criou a "sexta-feira livre de e-mails" (e-mail free Friday). Um ano depois, perceberam que a sexta-feira era o dia mais produtivo da semana porque as pessoas conseguiam ter um tempo maior para criar sem serem interrompidas o tempo todo por e-mails.

Folha - Você acredita que os produtos culturais também podem se beneficiar do Slow Movement?
Honoré -
Certamente. Acho até que pode ser a salvação da cultura moderna. No passado, as pessoas se referiam à lentidão como "coisa de velhos". Hoje, você já encontra jovens começando a entender que a lentidão tem poder, beleza e valor no mundo moderno. Veja as crianças. O exemplo perfeito no momento é Harry Potter. Cinco anos atrás muita gente diria que ler é devagar demais, que os jovens jamais se aproximariam dos livros de novo, que iriam preferir jogar videogames ou mandar torpedos em seus celulares. Mas os jovens provaram o contrário. Ler é o exemplo máximo da desaceleração porque apreciar uma obra significa que você tem de determinar o seu ritmo, ler mais rápido quando se quer, ou mais lentamente se desejar, ou seja, encontrar seu próprio "tempo".

Folha - Mas há uma poderosa propaganda por trás disso, não?
Honoré -
Você pode gastar bilhões de dólares em propaganda, mas, se não for bom, as crianças não vão gostar. Não importa quanto foi gasto em marketing com Harry Potter. O que interessa é que milhões de jovens estão lendo de novo.

Folha - Você descreve grupos que trabalham novas formas de urbanismo. O urbanismo segundo o Slow Movement pode ser aplicado a cidades como São Paulo?
Honoré -
A idéia das "slow cities" começou em pequenas cidades na Itália, mas vários de seus princípios podem ser aplicados a grandes cidades. Na verdade até já estão. Em Trafalgar Square, bem no centro de Londres, por exemplo, eles bloquearam uma das ruas para permitir que as pessoas caminhassem, pintassem etc. Em Vancouver, há mudanças no sistema de tráfego para dar mais espaço para os pedestres. Eu acho que seria muito mais difícil aplicar esses conceitos a cidades como São Paulo ou Rio, onde há favelas, onde se contrói sem nenhum controle. Mesmo assim, certos princípios desse tipo de urbanismo podem ser aplicados no Brasil.

Folha - Quem são as pessoas por trás do Slow Movement?
Honoré -
Há um grande tabu sobre a lentidão em nossa cultura, que a coloca como sinônimo de algo ruim, de preguiça, de dormir muito e trabalhar pouco. O Slow Movement está dizendo que a desaceleração pode ser boa. A velocidade é boa, a rapidez é boa, mas a lentidão também. É importante que as pessoas saibam que esses grupos não são compostos por pessoas velhas e preguiçosas. Há muitos jovens envolvidos nessa mudança. Parece que chegamos a uma encruzilhada em que temos duas opções: ir cada vez mais rápido até chegarmos ao esgotamento de nossa cultura ou escolher uma outra via, em que, sim, podemos ter tecnologia e velocidade, mas onde há espaço para a a quietude, o silêncio e tudo aquilo que perdemos neste mundo hiper-rápido, hiperestimulante e hipercheio de trabalho.


Devagar
Autor: Carl Honoré
Tradução: Clóvis Marques
Editora: Record
Quanto: R$ 39,90 (350 págs.)



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