São Paulo, quarta-feira, 01 de agosto de 2007

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Silêncio predomina em obra e vida

Antonioni perdeu capacidade da fala em 1985, mas se expressava "além das palavras", como em seus filmes, segundo a mulher

Episódio de "Eros" é última obra de ficção do diretor; produtor cortou parte de uma cena de masturbação, "excessivamente" ousada

DA REPORTAGEM LOCAL

As artes plásticas, sobretudo a construção de colagens e móbiles, passaram a ser a principal atividade artística do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, desde 1985, quando ele sofreu um derrame.
Após o acidente cerebral, Antonioni ficou praticamente sem fala e com movimentos restritos, mas perfeitamente lúcido.
Ele se locomovia em cadeira de rodas e tinha na mulher, Enrica Fico, 41 anos mais jovem do que ele, uma "tradutora" para suas conversas.
Quando Antonioni recebeu um Oscar pela carreira, em 1995, Enrica observou que expressar-se "através do silêncio ou além das palavras" sempre foi rotina para o cineasta, como é evidente em sua obra.
Protagonista de "Passageiro -Profissão: Repórter", o ator Jack Nicholson concordou: "No vazio, nos espaços silenciosos do mundo, ele encontrou metáforas que iluminam os lugares silenciosos de nossos corações e descobriu neles uma estranha e terrível beleza".
O último longa-metragem de Antonioni, "Além das Nuvens", foi realizado em 1995, sob a supervisão do diretor alemão Wim Wenders. A presença de Wenders no set de filmagens foi uma exigência dos investidores alemães na produção.
Wenders era a "garantia" de que o filme seria concluído, ainda que a saúde frágil de Antonioni o deixasse impossibilitado de fazê-lo.

"Eros"
O cineasta arquivou diversos projetos de longas que pretendia rodar após "Além das Nuvens", mas realizou o episódio "A Perigosa Linha das Coisas" no filme coletivo "Eros", com o qual retornou ao Festival de Veneza, onde havia obtido o Leão de Ouro em 1963, por "O Deserto Vermelho".
Para dirigir "Eros", Antonioni contou com a ajuda de Enrica. Os demais episódios do filme são assinados pelo norte-americano Steven Soderbergh ("sexo, mentiras e videotape") e pelo chinês Wong Kar-wai ("Amor à Flor da Pele").
O trecho de Antonioni é o mais ousado dos três e foi o único que sofreu cortes, a pedido do produtor. Três minutos de uma cena de masturbação feminina foram eliminados.
Em Veneza, antes da apresentação de "Eros", Kar-wai ressaltou a influência de Antonioni no cinema: "Ele é a luz-guia para mim e para os outros cineastas de minha geração".
O cineasta italiano, que se considerava "alguém que tem coisas a mostrar, mais do que a dizer", disse que, se não tivesse seguido a carreira de diretor, teria sido "arquiteto ou pintor".
Embora tenha conquistado prestígio desde o início de sua carreira e fosse reconhecido como um mestre do cinema desde os anos 60, os filmes de Antonioni jamais foram associados ao sucesso de público.
Em 1980, numa entrevista para uma publicação italiana, o diretor ouviu a pergunta: "Para quem o sr. faz filmes?".
Respondeu: "Faço filmes para um espectador ideal que é exatamente o seu diretor. Eu jamais poderia fazer algo contrário ao meu gosto, com o objetivo de ir ao encontro do público. Francamente, não posso fazer isso, mesmo que muitos diretores o façam. Além do mais, de que público estamos falando? O italiano? O americano? O japonês? O francês? O britânico? O australiano? Eles são todos diferentes entre si".


Com agências internacionais


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