São Paulo, sábado, 1 de agosto de 1998

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DANÇA - MEMÓRIA
Sem Robbins, EUA perde essência de uma era

ANA FRANCISCA PONZIO
especial para a Folha

Com a morte de Jerome Robbins, na última quarta-feira, a dança norte-americana perde sua personalidade mais importante, depois de Balanchine. Parceiro de Balanchine na direção do New York City Ballet, Robbins destacou-se tanto no balé quanto no teatro musical.
Grande inovador dos musicais da Broadway, Robbins coreografou sucessos fenomenais, principalmente entre 1944 e 1964, período em que lançou "On the Town", "The King and I", "Gypsy", "Fiddler on the Roof" e o popular "West Side Story".
Nessa época de ouro, contou com a colaboração de compositores célebres -entre outros, Irving Berlin, Leonard Bernstein, Richard Rodgers, Oscar Hammerstein, Stephen Sondheim e Jule Styne.
"Sinto que ainda tenho um grande balé dentro de mim", disse Robbins no ano passado, durante os ensaios de sua última obra, "Brandenburg", sobre os concertos de Bach, que criou para o New York City Ballet.
Dois anos antes, a principal companhia nova-iorquina havia adquirido os direitos de interpretar a suíte de danças do musical "West Side Story".
Com suas barbas brancas, que nos últimos tempos lhe conferiam um ar de patriarca, Robbins circulava até recentemente pelos bastidores do New York City Ballet, cujos integrantes o tratavam como o derradeiro mestre.
Depois de quase se casar com a bailarina Nora Kaye nos anos 50, Robbins optou pelo celibato. Vivia sozinho em sua casa em Manhattan, onde morreu depois de ser hospitalizado no sábado, devido a um derrame que o levou ao coma.
"Dança é sobre relacionamentos", dizia Robbins, que, a partir de tal idéia, traçou o perfil americano da dança, em balés que captavam as ressonâncias universais das emoções humanas.
Segundo Anna Kisselgoff, crítica de dança do jornal "The New York Times", que conviveu com Robbins, o coreógrafo sabia distinguir o espírito de seu tempo.
Mas, diferentemente dos criadores que deram eco à cultura norte-americana, Robbins não fez balés sobre pioneiros e caubóis. "Ele não se preocupava com o mito da América, mas com sua realidade. Soube captar, com genialidade, a essência de uma era, e isso tornou-se sua assinatura", afirma Kisselgoff.
Primeiro coreógrafo dos Estados Unidos a impor um estilo americano ao balé clássico, Robbins jamais se tornou repetitivo, embora tenha criado um repertório numeroso.
Além de 66 balés, assinou as coreografias de 15 musicais da Broadway, onde também destacou-se como diretor de espetáculos como "Funny Girl".
Em 1944, quando integrava o Ballet Theater, que mais tarde se transformou no American Ballet Theater, Robbins criou seu primeiro balé, "Fancy Free", em parceria com um compositor então desconhecido, Leonard Bernstein.
Símbolo de sua época, "Fancy Free" tem como protagonistas três marinheiros que interpretam uma dança sincopada e jovial, ao som da partitura jazzística de Bernstein. O cenário é a cidade de Nova York, durante a Segunda Guerra Mundial.
Mais tarde, "Fancy Free" foi incorporado ao musical "On the Town" e hoje integra o repertório do New York City Ballet, que o apresenta com frequência.
"Cada balé é um rito poderoso, que evoca um problema da vida que não pode ser transmitido em palavras, descrições ou anedotas, mas que é completamente compreensível quando expresso unicamente por uma série de movimentos", dizia Robbins.
Para muitos bailarinos, interpretar suas propostas coreográficas significou o passaporte para o sucesso. Um exemplo é Chita Rivera, estrela dos musicais americanos que estreou na Broadway aos 17 anos, em "Call me Madam", a convite de Robbins.
Mais tarde, o coreógrafo a requisitaria para interpretar Anita em "West Side Story", que a projetou definitivamente. "Se Jerry me pede para saltar de um edifício e, ao tocar o chão, fazer dois passos para a frente e terminar com uma flexão de pernas, eu digo OK e executo sem pensar", disse Rivera.
Ao introduzir o balé na Broadway, Robbins fez da dança uma expressão capaz de sustentar o enredo com o mesmo vigor da música e da palavra falada.
Junto com Balanchine, que o chamou em 1948 para associar-se à direção do New York City Ballet, Robbins contribuiu para elevar a reputação da companhia. Após a morte de Balanchine, em 1983, ele dirigiu o grupo ao lado do bailarino e coreógrafo dinamarquês Peter Martins até 1990.
Nascido na cidade de Nova York em 11 de outubro de 1918, Jerome Robbins experimentou o gosto do sucesso aos três anos de idade, quando tocou piano em um concerto infantil.
"Cresci dentro da tradição judaica, em que as crianças devem absorver toda cultura possível", reconheceu mais tarde.
Na juventude, logo depois de abandonar a Universidade de Nova York, onde pretendia formar-se em química, começou a ter aulas de dança moderna com Gluck Sandor e Felicia Sorel.
Chamado por Robbins de "guru", Sandor aconselhava seus discípulos a estudar a técnica do balé clássico em plena década de 30, quando a dança moderna se impunha nos Estados Unidos.
O estímulo foi fundamental para Robbins, que se firmou como o primeiro grande coreógrafo clássico norte-americano, com uma força de estilo que o tornou equiparável aos nomes mais importantes deste século, como Balanchine, sir Frederick Ashton e Antony Tudor.



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