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Recluso, escritor foi alvo das mais estapafúrdias especulações
especial para a Folha
Como o protagonista de "O Arco-Íris da Gravidade", seu autor
também se tornou o centro das
atenções internacionais, um verdadeiro fenômeno a ser perseguido por todos -mas no seu caso, e
para sua felicidade, conseguiu driblar o assédio da observação pública durante mais de 30 anos.
Desde a publicação de seu primeiro romance, "V.", em 1963,
Thomas Pynchon passou a fugir
da mídia com uma ojeriza proporcional à histeria que sua figura reservada inversamente ia despertando numa cultura cada vez mais
dominada pelo marketing. Afinal,
o que pode restar à publicidade e à
promoção de livros cuja leitura está longe de ser acessível senão um
mistério em torno do autor, cuja
única foto conhecida data de 1955,
quando ele estava na Marinha?
Seguindo os passos de Salinger,
outro célebre recluso no país do
marketing, Pynchon se tornou o
escritor mais procurado pela mídia, e não é de espantar que seus
editores tenham babado de contentamento com os efeitos lucrativos de sua misantropia. Na sua recusa de aparecer, de dar entrevistas e de se deixar fotografar, o escritor não poderia ter servido como um melhor garoto-propaganda de si mesmo.
O mistério em torno desse autor
chegou ao ponto de alimentar os
boatos mais estapafúrdios, não
deixando nada a dever aos temas
das suas próprias ficções e fazendo
eco à paranóia que costuma guiar
seus personagens.
Só para se ter uma idéia, já foi
dito que ele não existia e seus livros eram escritos por um grupo
de autores ou mesmo que era ele o
Unabomber.
Mas só até ser descoberto em 96,
às vésperas de completar 60 anos,
sem maiores esforços por parte de
uma jornalista da revista "New
York". Estava vivendo numa pacata rua de Manhattan, com a mulher, a agente literária Melanie
Jackson e o filho pequeno.
Contribuindo para dissipar o
mito de si mesmo, nos últimos
tempos Pynchon chegou a colaborar com a imprensa -com um ensaio sobre a preguiça para o "The
New York Times Book Review",
publicado em 93, e uma entrevista
com a banda de rock Lotion para a
revista "Esquire".
Ao contrário de seus livros, não
há nada de extraordinário na biografia do autor. Nascido sob o signo suburbano de Long Island, filho de um superintendente de estradas de rodagem, Pynchon serviu na Marinha entre 55 e 57 e se
formou, com um diploma de inglês, na Universidade de Cornell,
em 58.
Trabalhou como escritor técnico
para a Boeing em Seattle, foi fã ardoroso dos beatniks, em especial
de Jack Kerouac e seu "On the
Road", mudou-se para o México,
depois para a Califórnia e por fim
de volta para Nova York.
A publicação de "O Arco-íris da
Gravidade" no Brasil pode servir
como um parâmetro saudável para desviar um pouco a atenção e o
foco da mistificação da figura do
autor para o que realmente importa: uma obra que bebe na cultura
pop, mas tem aspirações metafísicas dignas de um Melville.
Depois de "V.", Pynchon publicou três romances (veja quadro
acima), além da obra-prima "O
Arco-Íris da Gravidade" (1973) e
de uma coletânea de contos,
"Slow Learner" (1984). Os direitos de "Mason & Dixon" para o
Brasil foram adquiridos pela
Companhia das Letras, que ainda
não tem previsão para o seu lançamento.
Sempre haverá alguém, como o
americano Harold Bloom, para se
considerar desiludido, após a surpresa dos primeiros livros, com os
caminhos da obra de Pynchon, sobretudo a partir de um romance
tão aguardado como "Vineland".
Mesmo assim, diante da evidência inovadora de "O Arco-Íris da
Gravidade", seguir interessado
nas idiossincrasias pouco interessantes da vida e do comportamento do escritor só atesta as limitações e a mediocridade da mídia e
de uma cultura da informação entorpecida pelo marketing.
Confrontadas com um romance
como "O Arco-Íris da Gravidade" todas as outras discussões sobre seu autor se tornam desprezíveis, e um tanto ridículas.
Porque esse é um texto que leva a
pensar grande. Ler um livro como
esse é uma felicidade, pelo menos
para quem não se contenta com a
exiguidade do mundo viciado que
o mercado cultural tem a oferecer.
(BERNARDO CARVALHO)
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