São Paulo, sábado, 01 de setembro de 2001

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TEATRO

Estréia em SP peça da companhia curitibana de Felipe Hirsch e Guilherme Weber, que conclui pesquisa sobre narrativa

Sutil põe "véu da memória" em "Nostalgia"

VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Nostalgia" é o segundo espetáculo que o público paulistano confere sob assinatura do diretor e dramaturgo Felipe Hirsch e do primeiro-ator Guilherme Weber depois de "A Vida É Cheia de Som e Fúria" (2000), que projetou a curitibana Sutil Companhia de Teatro no eixo Rio-São Paulo.
Quem assistiu à montagem anterior, adaptação do romance "Alta Fidelidade", do britânico Nick Hornby, achará elementos de imediata associação, a começar pelo protagonista-narrador.
Sai Rob Fleming, o "adultescente" das listas de cinco mais disso ou daquilo, entra Artur, "o príncipe melancólico", como diz o pai.
Agora, Weber interpreta um jovem que lê Dostoiévski, John Fante, Georges Bataille, ouve The Cure, The Smiths, Bob Dylan, Elvis Costello e, no tempo que sobra, rumina sobre a vida e morre de amores por Karen (Ana Kutner).
No entorno, circulam os pais e tios de Artur (o nome alude a Arturo Bandini, alter-ego do escritor americano John Fante, de "Pergunte ao Pó", morto em 83).
"Nostalgia", que faria sua estréia nacional ontem à noite, no Teatro Popular do Sesi, encerra no próprio nome o fim de um ciclo no qual a Sutil debruçou-se sobre a narrativa da memória.
Trata-se de estrutura dramatúrgica que privilegia a sobreposição de planos, pêndulo do passado e do presente, invariavelmente sob o ponto de vista de um narrador.
Foi assim em "Juventude" (98), "Por um Novo Incêndio Romântico" (99), "Som e Fúria" e "Memória da Água" (2001), por exemplo, esta atualmente em cartaz no Rio, estrelada por Xuxa Lopes e Renata Sorrah. "A minha melhor direção", diz Hirsch, 29.
Mesmo quando visitam autores consagrados, como Hornby ("Som e Fúria"), o americano Eugene O'Neill ("Juventude") e a inglesa Shelagh Stephenson ("Memória da Água"), os criadores Hirsch e Weber não deixam de imprimir um tom autoral.
Produzida a convite do Popular do Sesi, que investiu R$ 255 mil para a temporada de três meses, "Nostalgia" promove cruzamento dos últimos trabalhos da Sutil. Transformados em personagens, o crítico e dramaturgo irlandês Bernard Shaw e o cineasta francês Jacques Tati, por exemplo, já despontavam em "Juventude".
A concessão para a música pop tampouco é recente. Vem desde a primeira montagem da companhia, "Baal Babilônia" (93), incursão por um diário do dramaturgo espanhol Fernando Arrabal ("Cemitério de Automóveis").
Guilherme Weber, 26, antecipa um ponto de virada que marcará a ruptura com a narrativa de memória no próximo espetáculo: a eliminação da figura do narrador.
Com oito anos de Sutil e admiração confessa por Denise Stoklos, com quem trabalhou em "Mais Pesado que o Ar" (96), Weber se diz inclinado para a interpretação naturalista. "A minha geração rechaçou o naturalismo por achá-lo coloquial, televisivo, mas é um recurso de pré-expressividade teatral que serve como palheta para o ator, como o caminho do expressionismo, por exemplo. É a linha mais humana no trato com a cena", afirma.
Telas, filós, projeções, outras marcas da companhia, ganham a cumplicidade de Daniela Thomas, que assina a cenografia com André Cortez. "Gosto dos filós porque permitem explorar várias possibilidades semânticas, como transformar as paredes em véus da memória", diz Daniela, 42.


NOSTALGIA - Texto e direção: Felipe Hirsch. Com: Sutil Companhia de Teatro (Erica Migon, Ana Kutner, Rosana Stavis, Paulo Alves, Beto Matos, Edson Rocha e Guilherme Weber). Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 0/xx/11/ 284-3639). Quando: qui. a sáb., às 20h; dom., às 19h. Entrada franca (retirar ingressos com antecedência). Até 2/12.


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