São Paulo, Sexta-feira, 01 de Outubro de 1999
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CINEMA ESTRÉIAS

"Blair" é inspirado em produção (mais) barata


ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha

Todo mundo já ouviu falar de "A Bruxa de Blair" e de seu sucesso mundial. O que poucos sabem é que este filme, que custou cerca de US$ 35 mil e já faturou mais de US$ 140 milhões nos EUA, foi inspirado em outro filme de terror, mais barato e bem melhor.
Trata-se de "The Last Broadcast" (em tradução literal, a última transmissão), escrito, produzido, filmado, interpretado e editado por dois americanos, Stefan Avalos, 30, e Lance Weiler, 28.
"The Last Broadcast", filmado um ano antes de "Blair", custou aos dois a bagatela de US$ 900 (RS 1.700) e já virou uma mina de dinheiro. O filme foi elogiadíssimo pela crítica norte-americana (a revista "Time" chamou-o de "um thriller esperto, com um final incrível") e está sendo lançado em vídeo e DVD nos Estados Unidos. A TV a cabo HBO está negociando com os cineastas a compra do filme para exibição.
Assim como "A Bruxa de Blair", "The Last Broadcast" foi praticamente todo rodado em vídeo digital e finalizado de forma caseira (leia texto ao lado).
Os cineastas, moradores de uma área rural da Pensilvânia (nordeste dos EUA), usaram uma câmera de vídeo que hoje não custa mais de US$ 2.700 e rodaram também algumas cenas com uma câmera de brinquedo da marca Fisher-Price, cultuada entre videomakers por gerar imagens granuladas e de muito contraste, com efeito semelhante ao dos filmes expressionistas dos anos 20.
Na verdade, tanto "A Bruxa de Blair" quanto "The Last Broadcast" têm histórias surrupiadas de "Canibal Holocausto", clássico do "cinema nojo" dirigido em 1979 pelo italiano Ruggero Deodato. O filme de Deodato inaugurou o gênero do "mockumentary" -mistura das palavras "mock" (falso, simulado) com "documentary" (documentário). Ou seja, era um filme de ficção fazendo-se passar por realidade.
Em "Canibal Holocausto", uma equipe de TV vai à floresta amazônica fazer um documentário sobre canibais, mas desaparece sem deixar pista. Algum tempo depois, os rolos de negativo rodados pela equipe são encontrados, e o destino trágico dos pobres documentaristas, que serviram de almoço para os canibais, é exibido em glorioso technicolor.
"A Bruxa de Blair" e "The Last Broadcast" têm histórias parecidas: ambos contam a saga de equipes de filmagem que vão à floresta explorar velhas crendices locais e acabam encontrando mais do que esperavam.
Da Pensilvânia, Lance Weiler e Stefan Avalos falaram com exclusividade à Folha sobre "The Last Broadcast", comentaram as "coincidências" com "A Bruxa de Blair" e se disseram empolgados com a aceitação, por parte do grande público, de filmes baratos e independentes. "Isso pode mudar toda a indústria do cinema", diz Avalos.

Folha - Como vocês reagiram ao sucesso de "A Bruxa de Blair"?
Stefan Avalos -
No começo, ficamos bastante chateados. Afinal, "Blair" tinha uma história muito parecida com a de nosso filme, e muitos inclusive acreditam que eles "emprestaram" muitas idéias nossas. Depois, no entanto, percebemos que o sucesso de "Blair" foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para nós, porque nos deu uma divulgação incrível.
Os dois filmes, apesar de terem histórias parecidas, são muito diferentes quando analisados cuidadosamente. "The Last Broadcast" é mais complexo e aborda temas que não estão em "Blair", como a fascinação da mídia por violência.

Folha - Vocês acham que o sucesso de "Blair" pode abrir as portas para filmes semelhantes?
Lance Weiler -
Esperamos que "Blair" e o nosso filme sejam um sinal para outros cineastas, para que comecem a fazer filmes mais baratos.
Há também outros filmes, como "The Cruise" (documentário norte-americano sobre um guia turístico de Nova York, filmado em vídeo e já exibido nos cinemas dos EUA) e "Festa de Família", que foram filmados em vídeo digital e atingiram o grande público. As coisas estão mudando.

Folha - Vocês tiveram contato com os diretores de "Blair"?
Avalos -
Eles viram nosso filme antes de terminar o deles. Eles próprios nos disseram isso. E fizeram uma mudança muito importante no filme deles depois de ver "The Last Broadcast": tiraram todas as cenas documentais e fizeram tudo na primeira pessoa.
Eles tinham, originalmente, planejado fazer um "mockumentary" exatamente como o nosso. Se eles mudaram por causa do nosso filme, só eles sabem.

Folha - Vocês sabem que seu filme tem uma estrutura narrativa semelhante à de "Canibal Holocausto"?
Weiler -
Muita gente já nos falou sobre isso, mas ainda não vimos o filme de Deodato. Só sabemos que tem muito sexo e violência.

Folha - Quais são os planos para "The Last Broadcast"? Alguma chance de o filme ser lançado no Brasil?
Avalos -
Estamos negociando os direitos de distribuição no mundo todo. Esperamos que o filme seja exibido no Brasil, se não em cinema, pelo menos em vídeo ou TV a cabo.


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