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CRÍTICA
Pobreza visual não sustenta pretensões
JOÃO LEIVA FILHO
Diretor de Produtos da
Revista da Folha
"O Tédio" aposta na verborragia desmedida de um professor de filosofia e no silêncio indiferente de sua amante para
mostrar as dificuldades dos relacionamentos humanos.
Baseado no romance homônimo de Alberto Moravia, o filme de Cédric Kahn narra a história de Martin, que após se separar da mulher tem um caso
com Cecilia, jovem de 17 anos.
A relação é marcada pelo discurso incessante e circular do
professor, que para tudo busca
uma razão, uma explicação.
Como resposta, tem o olhar
distante e as frases curtas de
Cecilia, que não vê sentido em
suas dúvidas.
O sexo sustenta um relacionamento que vai ganhando
força devido à paixão obsessiva e ao ciúme doentio que tomam conta de Martin. O professor, contudo, sente que
quanto mais se aproxima da
jovem, mais ela lhe escapa.
A busca por um sentido para
o amor, a existência, é feita a
partir de Martin. Ele conduz a
narrativa e, em vários momentos, a câmera assume seu ponto de vista. A estratégia, porém,
não tem eficácia.
A verborragia pretensiosa,
com citações de Freud e Aristóteles, faz o filme trafegar entre o cômico e o ridículo, anestesiando o olhar do professor.
Não que imagem e som sejam incompatíveis, mas em "O
Tédio" o excesso discursivo
conspira contra a imagem, impedindo a criação de uma atmosfera que dê consistência ao
olhar do protagonista.
O diretor até ensaia alguma
ênfase nesse aspecto, como
quando Martin observa Cecilia
andando nua em seu quarto,
num bom momento. Mas, como a lógica de Kahn se baseia
no discurso, o universo visual
do professor parece incapaz de
se incorporar às suas aflições.
Para isso contribuem ainda a
pobreza dos enquadramentos
e uma montagem trivial.
Um exemplo de como questões semelhantes tiveram solução cinematográfica consistente está na obra do italiano
Michelangelo Antonioni.
O filme é propagandeado como se apresentasse um novo
olhar sobre o sexo. Exibido na
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 98, "O Tédio" fica muito aquém da pretensão exibida em seu cartaz
de apresentação: "Nunca o sexo foi tão fundo". Um apelo fácil e quase infantil que a falta de
vigor das imagens e os problemas de concepção inviabilizaram por completo.
Um dos poucos méritos do
filme é não apostar na glamourização da beleza -Cecilia é
uma gordinha bem distante
dos padrões cinematográficos
de beleza feminina. O que é
muito pouco.
Avaliação:
Filme: O Tédio
Direção: Cédric Kahn
Produção: França/Itália/Portugal,
1998
Com: Charles Berling, Sophie
Guillemin, Arielle Dombasle
Quando: a partir de hoje, nos cines
Espaço Unibanco 2 e Hoyts General
Cinema Guarulhos 15
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