São Paulo, Sexta-feira, 01 de Outubro de 1999
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CRÍTICA

Pobreza visual não sustenta pretensões


JOÃO LEIVA FILHO
Diretor de Produtos da
Revista da Folha

"O Tédio" aposta na verborragia desmedida de um professor de filosofia e no silêncio indiferente de sua amante para mostrar as dificuldades dos relacionamentos humanos.
Baseado no romance homônimo de Alberto Moravia, o filme de Cédric Kahn narra a história de Martin, que após se separar da mulher tem um caso com Cecilia, jovem de 17 anos.
A relação é marcada pelo discurso incessante e circular do professor, que para tudo busca uma razão, uma explicação. Como resposta, tem o olhar distante e as frases curtas de Cecilia, que não vê sentido em suas dúvidas.
O sexo sustenta um relacionamento que vai ganhando força devido à paixão obsessiva e ao ciúme doentio que tomam conta de Martin. O professor, contudo, sente que quanto mais se aproxima da jovem, mais ela lhe escapa.
A busca por um sentido para o amor, a existência, é feita a partir de Martin. Ele conduz a narrativa e, em vários momentos, a câmera assume seu ponto de vista. A estratégia, porém, não tem eficácia.
A verborragia pretensiosa, com citações de Freud e Aristóteles, faz o filme trafegar entre o cômico e o ridículo, anestesiando o olhar do professor.
Não que imagem e som sejam incompatíveis, mas em "O Tédio" o excesso discursivo conspira contra a imagem, impedindo a criação de uma atmosfera que dê consistência ao olhar do protagonista.
O diretor até ensaia alguma ênfase nesse aspecto, como quando Martin observa Cecilia andando nua em seu quarto, num bom momento. Mas, como a lógica de Kahn se baseia no discurso, o universo visual do professor parece incapaz de se incorporar às suas aflições. Para isso contribuem ainda a pobreza dos enquadramentos e uma montagem trivial.
Um exemplo de como questões semelhantes tiveram solução cinematográfica consistente está na obra do italiano Michelangelo Antonioni.
O filme é propagandeado como se apresentasse um novo olhar sobre o sexo. Exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 98, "O Tédio" fica muito aquém da pretensão exibida em seu cartaz de apresentação: "Nunca o sexo foi tão fundo". Um apelo fácil e quase infantil que a falta de vigor das imagens e os problemas de concepção inviabilizaram por completo.
Um dos poucos méritos do filme é não apostar na glamourização da beleza -Cecilia é uma gordinha bem distante dos padrões cinematográficos de beleza feminina. O que é muito pouco.



Avaliação:  




Filme: O Tédio
Direção: Cédric Kahn
Produção: França/Itália/Portugal, 1998
Com: Charles Berling, Sophie Guillemin, Arielle Dombasle
Quando: a partir de hoje, nos cines Espaço Unibanco 2 e Hoyts General Cinema Guarulhos 15


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