São Paulo, Sexta-feira, 01 de Outubro de 1999
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TEATRO

Textos do dramaturgo que estão em SP são de sua fase mais prolífica; atividades vão até dezembro

Ciclo exibe tragédias cariocas de Nelson

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
da Redação

Foi um fenômeno. A platéia "explodiu uma vaia jamais concebida. Senhoras grã-finérrimas subiam nas cadeiras e assoviavam como apaches. Meu texto não tinha um mísero palavrão. Quem dizia os palavrões era a platéia, (que) só faltou me enforcar num galho de árvore".
Ao espetáculo, Nelson Rodrigues (1912-1980) assistia do palco. Estreava como ator (Tio Raul) em "Perdoa-me por me Traíres", em 1957, no Teatro Municipal do Rio.
A peça é uma das oito tragédias cariocas que o dramaturgo escreveu; sete delas ("A Serpente" ficou de fora) estão na série "Segundas em Cena Especial Nelson Rodrigues", que começa esta noite no Sesc Pinheiros, em São Paulo.
A abertura do evento contará com a participação de Elza Bretanha Rodrigues e Nelson Rodrigues Filho, viúva e filho do escritor, numa conversa sobre sua vida, paixão e obra.
Há atividades programadas para os próximos três meses -sempre às sextas e segundas-feiras.
Todas as sextas, uma personalidade fala sobre temas relacionados à vida e obra de Nelson. Os encontros são seguidos de uma exibição de filmes clássicos nacionais baseados em textos do autor.
Às segundas, diferentes grupos teatrais apresentam leituras dramáticas das sete tragédias (veja programação abaixo).
A organização pretende, com isso, dar espaço para que os textos lidos sejam montados no próximo ano, quando se completam 20 anos da morte do escritor.
Os interessados em aprofundar, estudar ou pesquisar a obra de Nelson, particularmente o período da criação das tragédias, podem concorrer a uma das 20 vagas do grupo de estudos que se reunirá todas as quartas-feiras, às 19h, durante o evento.

Tragédias do subúrbio
Como conta em suas "Memórias", Nelson só encontrava uma explicação para a reação do público à primeira encenação de "Perdoa-me": "Forçara na platéia um pavoroso fluxo de consciência".
Uma reação que somente poderia ser explicada pelo retrato fiel, que o escritor levava à cena, da vida suburbana carioca -numa peça, dizia ele, inspirada em sua vizinha de infância.
O gênero tragédia carioca só foi atribuído a três peças no momento em que foram escritas: "A Falecida" (1953), "Boca de Ouro" (1959) e "Beijo no Asfalto" (1961).
O problema da classificação das obras divide os críticos. Sábato Magaldi conta que o autor abominava o termo "comédia de costumes", que foi como o crítico Pompeu de Sousa primeiro rotulou essas obras que chafurdam no cotidiano suburbano. Para Nelson, o projeto estético superior estava na tragédia. E nesse gênero queria permanecer.
A verdade é que, rigorosamente, os elementos formais dos textos não pertencem nem a uma nem a outra classificação. Aceita-se, pois, chamar de tragédias a esses textos realistas que marcam uma nova fase criativa do escritor.
É quando Nelson abandona o teatro "mítico" para envolver-se com o cotidiano.
Deixa aquelas obras bastante simbólicas e quase herméticas como "Anjo Negro" (1946), que não faziam nem o gosto do público nem da crítica da época, e passa a retratar a classe média baixa da zona norte do Rio de Janeiro.
O dramaturgo ganhava projeção nacional com a coluna no jornal "Última Hora" carioca, "A Vida Como Ela É...". Não por mera coincidência, as crônicas mostravam o subúrbio e seus personagens.
Para sua dramaturgia, Nelson carregou não apenas a experiência cotidiana do jornal, mas todo o "estudo mítico" e psicológico que desenvolvera em seus textos. Vista desse ângulo, sua obra pode ser entendida como uma preparação para o desenho complexo da realidade cotidiana que realiza nas tragédias.
A dimensão que o personagem rodrigueano ganha é a da própria complexidade do ser humano.


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