São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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ERIKA PALOMINO

DESFILE DE VERÃO 2005 DA PRADA SIGNIFICA O HOJE

Começa o desfile da Prada, na tarde ensolarada de anteontem aqui em Milão. Quem vem lá do fundo da passarela? Uma modelo loura. Mas quem? Gemma? Hanna? Não. É Kristen McMenamy, modelo ícone dos anos 90, desaparecida do Planeta Fashion.
Na sala ecoa não a suntuosidade do Prokofiev do último inverno da grife, mas um descolado dub. Isso mesmo, o estilo jamaicano influencia a Prada, enquanto a não-beleza de Kristen contamina o look do desfile: cabelo jacu repartido ao meio, penteado para a frente, chapinha malfeita e grosseira (de propósito, claro, pelo top Guido). Como Kristen ficou famosa por se apresentar com a sobrancelha raspada, a maquiadora Pat McGrath decidiu "apagar" as das tops internacionais de hoje. O resultado: um certo retorno à estética feia pregada por Miuccia Prada ao longo da última década.
Vintage? Só o dela mesma, já que algumas peças históricas estão sendo refeitas para as lojas milanesas. Daí a repetição de elementos como as pedrarias. Mas o que é realmente relevante aqui, na coleção da marca que de novo deverá ser o turning point da temporada, é a coragem de se reinventar -mais uma vez. Em meio ao retro ê 50, ao decorativismo e à latente feminilidade da moda atual, Miuccia segue agora em direção à vida real, como declarou à imprensa. "É uma coleção pouco teórica, mais realista, mais simples", confessa a intelectualizada estilista.

Simplicidade franciscana, que nada

A Prada deu, como disse Miuccia, uma guinada em direção à vida real. Daí, portanto, a sandália oficial do verão da marca ser um rasteiro modelo franciscano. Que pode vir num (caríssimo) crocodilo, mas simplérrimo na essência. Essencial como um mocassim, que a marca traz de volta, dando o OK que faltava para voltarmos a usar o calçado mais confortável depois dos chinelos. A simplicidade da Prada é só na vocação. Uma das características atuais da marca é justamente o toque dos gênios: parecer que é fácil fazer tudo aquilo. Com maestria e coragem, a equipe de Miuccia, liderada pelo jovem diretor de criação Fabio Zambernardi, aciona o repertório de excentricidades que colocaram a Prada na história da moda.
Entram em cena uma exuberante saia de penas de pavão, de corte impecável, plissada atrás; os chapéus esquisitões enfiados na cabeça; as exóticas estampas trompe-l'oeil de penas; a duvidosa aplicação de arara sobre o vestido sem manga em quatro cores; o bizarro vestido-cisne que até parece aquele usado por Björk, de Marjan Pejovski -de que na época todo mundo falou mal. Como se vê, o mundo das aves inspirou Miuccia Prada, em sua "beleza, coragem e liberdade", segundo ela, confirmando o atual momentinho natural/natureza desse verão 2005. Esse despojamento atende a outra das referências da coleção, a Jamaica, que dá o tom das cores (solares e vibrantes amarelos, laranjas e roxos), em muitas listras, completando a cartela de marrons e esverdeados de que a marca tanto gosta.
Assim, eles respondem a um dos temas mais fortes de Milão nesta temporada, o étnico. Enquanto outros olham para a Índia, Marrocos e China, Miuccia e sua turma seguem relaxados, se jogando na cultura rastafári. É o lado divertido e cínico deles.

Que venha o novo

Das toucas dos rastas, eles tiram uma das melhores idéias, a do crochê, que vira partes de cima de vestidos, vestidos inteiros (como o curtinho usado por Daria) e barrados de saias. Absurdo. Em termos formais, a Prada avança também. O grande mérito é se limpar de qualquer ranço visual: sem volume 50, silhueta 40, drapeado 30, estampa 20, proporção 70, cores 80. A coleção significa o hoje. E, para quem reclama que a moda nada mais cria, apenas remixa o passado, eis a resposta.

A silhueta império

As proporções são incríveis, afiadas e libertadoras. Enquanto marcas globais como Marni e Marc Jacobs desfilaram sem correr riscos, sob a cartilha do que as mulheres querem vestir agora, a Prada mais uma vez dá o que não sabíamos que queríamos. As saias são mais curtas (e olha que a tendência prega o mais longo ou mesmo o longo), evitando ainda o famoso pelo-joelho lançado por eles. Mais até do que as pernas, a cintura é foco de importância, de novo. Ela continua marcada, mas em alguns vestidos, como os plissados do final, segue a silhueta império, abaixo do busto, que vem em decote recortado (que lindo o vestido bege, perfeito para as celebrities usarem em prêmios). Outra inovação, que deverá ser copiada à exaustão, é o formato um-ombro-só, que aparece nos vestidos do final. Inesquecível: McMenamy encerra a revolução com um singelo xale listrado.


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