São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2000

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"CINÉMA VÉRITÉ"

Documentário sobre a verdade do cinema cai no conto televisivo

ESPECIAL PARA A FOLHA

Georges Sadoul costumava dizer que o cinema-verdade era a introdução da "língua falada" no cinema. Tratava-se, para ele, de encontrar no cinema-verdade a consubstanciação do ideal vertoviano de "vida tomada ao improviso" para contrapô-lo à sintaxe rigorosa e preestabelecida (a "língua escrita") que dominara, até então, tanto o cinema de ficção quanto o documentário.
Vertov quisera sobretudo combater as mistificações da ficção no cinema, e era essa batalha que a geração do cinema-verdade dava por vencida. Se, como queria Jean Rouch, o cinema-verdade revelava a verdade do cinema, era, justamente, por negar aquele ideal de verdade que transformava em ficção até mesmo os grandes documentários clássicos.
No cinema-verdade, o diretor já não impõe suas ficções de autor, mas se faz intermediário de personagens reais que ficcionam a si próprios, fabulação a que Sadoul se referia. Tal era o "flagrante delito de criar lendas" que Pierre Perrault permitia aos seus personagens, dando-lhes a palavra.
Em "Cinéma Vérité", de Peter Wintonick, é preciso esperar Perrault aparecer para que a verdade do cinema-verdade seja finalmente dita: "As pessoas falam da vida e vivem sua palavra. Torno-me cúmplice. Eu não faço filmes meus. Eu não vou lá para fazer o meu filme, mas o filme deles".
Mas esse depoimento precioso de Perrault quase se perde em meio ao fluxo televisivo e algo desatinado. O problema é que Wintonick escolhe o viés mais abrangente possível: o tecnológico. O cinema-verdade como prenunciador da era do vídeo. Assim, ele consegue a proeza de traçar um percurso que vai de "O Homem e a Câmera", de Vertov, até "A Bruxa de Blair".
Wintonick anda, com sua equipe, para baixo e para cima, de país em país, desperdiçando as mais preciosas entrevistas, perdendo os melhores momentos, para perguntar simplesmente: o que é a verdade? E ele terminará seu périplo sem se dar conta de que não se trata da verdade, mas do tempo. Seu documentário também carece dessa noção. A velocidade televisiva de "Cinéma Vérité" é a morte do cinema-verdade.
Outra bela oportunidade perdida por esse documentário canadense é a de se aprofundar nas evidentes distinções metodológicas entre o cinema-direto americano (de Richard Leacock e dos irmãos Maysles) e o cinema-verdade francês/canadense. Note-se aqui que se a vertente americana tornou-se conhecida, ao contrário da francesa, por sua neutralidade, pela escolha da não-interferência. Isso se deveu, em boa medida, ao fato de seus personagens não serem as "pessoas comuns" do cinema-verdade, mas, quase sempre, celebridades. (TMM)


Cinéma Vérité
Cinéma Vérité - Defining the Moment
  
Direção: Peter Wintonick
Produção: Canadá, 1999
Quando: hoje, às 14h, no Cinesesc




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