|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"CINÉMA VÉRITÉ"
Documentário sobre a verdade do cinema cai no conto televisivo
ESPECIAL PARA A FOLHA
Georges Sadoul costumava
dizer que o cinema-verdade
era a introdução da "língua falada" no cinema. Tratava-se, para
ele, de encontrar no cinema-verdade a consubstanciação do ideal
vertoviano de "vida tomada ao
improviso" para contrapô-lo à
sintaxe rigorosa e preestabelecida
(a "língua escrita") que dominara,
até então, tanto o cinema de ficção quanto o documentário.
Vertov quisera sobretudo combater as mistificações da ficção no
cinema, e era essa batalha que a
geração do cinema-verdade dava
por vencida. Se, como queria Jean
Rouch, o cinema-verdade revelava a verdade do cinema, era, justamente, por negar aquele ideal de
verdade que transformava em ficção até mesmo os grandes documentários clássicos.
No cinema-verdade, o diretor já
não impõe suas ficções de autor,
mas se faz intermediário de personagens reais que ficcionam a si
próprios, fabulação a que Sadoul
se referia. Tal era o "flagrante delito de criar lendas" que Pierre Perrault permitia aos seus personagens, dando-lhes a palavra.
Em "Cinéma Vérité", de Peter
Wintonick, é preciso esperar Perrault aparecer para que a verdade
do cinema-verdade seja finalmente dita: "As pessoas falam da
vida e vivem sua palavra. Torno-me cúmplice. Eu não faço filmes
meus. Eu não vou lá para fazer o
meu filme, mas o filme deles".
Mas esse depoimento precioso
de Perrault quase se perde em
meio ao fluxo televisivo e algo desatinado. O problema é que Wintonick escolhe o viés mais abrangente possível: o tecnológico. O
cinema-verdade como prenunciador da era do vídeo. Assim, ele
consegue a proeza de traçar um
percurso que vai de "O Homem e
a Câmera", de Vertov, até "A Bruxa de Blair".
Wintonick anda, com sua equipe, para baixo e para cima, de país
em país, desperdiçando as mais
preciosas entrevistas, perdendo
os melhores momentos, para perguntar simplesmente: o que é a
verdade? E ele terminará seu périplo sem se dar conta de que não se
trata da verdade, mas do tempo.
Seu documentário também carece dessa noção. A velocidade televisiva de "Cinéma Vérité" é a
morte do cinema-verdade.
Outra bela oportunidade perdida por esse documentário canadense é a de se aprofundar nas
evidentes distinções metodológicas entre o cinema-direto americano (de Richard Leacock e dos
irmãos Maysles) e o cinema-verdade francês/canadense. Note-se
aqui que se a vertente americana
tornou-se conhecida, ao contrário da francesa, por sua neutralidade, pela escolha da não-interferência. Isso se deveu, em boa medida, ao fato de seus personagens
não serem as "pessoas comuns"
do cinema-verdade, mas, quase
sempre, celebridades.
(TMM)
Cinéma Vérité
Cinéma Vérité - Defining the Moment
Direção: Peter Wintonick
Produção: Canadá, 1999
Quando: hoje, às 14h, no Cinesesc
Texto Anterior: 24ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo "A Ilha": Drama coreano explora amor sadomasoquista Próximo Texto: Panorâmica: Tomie Ohtake faz obra para Registro Índice
|