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CRÍTICA
Austríaco força o corpo em ludismo cruel
CRÍTICO DA FOLHA
Embora o seu também seja
um "cinema do corpo",
Ulrich Seidl está longe da candura dos filmes de Jean Eustache ("La Maman et la Putain"),
o subestimado cineasta francês
por quem se diz influenciado.
A exemplo da tradição a que
Eustache pertence, a do cinema
moderno, Seidl busca, no corpo, a alma. E, embora saiba de
antemão que não mais a encontrará, deleita-se em forçar o
corpo até o limite, com seu ludismo cruel e desesperado.
É mais do que inevitável filiar
o filme de Seidl ao cinema de
Michael Haneke. A este coube
fazer do prognóstico dos melhores cineastas dos anos 60
um diagnóstico definitivo da
"morte do espírito" na sociedade moderna. A Seidl, que representa uma das mais ricas
tendências do cinema contemporâneo europeu, caberia não
esvaziar a crítica de Haneke.
"Dias de Cão" comporta os
temas mais caros de Haneke: a
incapacidade de amar e a banalização do atroz, sintomas da
rigidez inumana da civilização.
Um casal que já não se fala,
nem se ama, mas continua vivendo junto. Uma senhora humilhada que só chega à conclusão de que ama o namorado
após torturá-lo. Um velho que
só ama o cachorro e dedica o
seu tempo a ser um consumidor atento. Uma stripper anoréxica e seu namorado ciumento. Uma autista obcecada por
listas e caronas e o vendedor de
seguros que dela se aproveita.
As relações estão tão mortas
quanto os sentimentos.
Seidl surpreende essa morte
no corpo. Haneke ainda acredita na dor. Em seus filmes, o
espírito está morto, mas o corpo ainda pode ser reavivado
pela dor. Em Seidl, os sintomas
dessa morte espiritual estão na
própria decrepitude do corpo.
Esses corpos besuntados que o
cineasta surpreende, nos dias
mais quentes do ano (os tais
"dias de cão"), nas piscinas de
um subúrbio austríaco, poderiam lembrar alguns quadros
de David Hockney, mas basta
olhar de perto para ver toda a
degenerescência dos corpos
pintados por Lucien Freud.
Uma sociedade de corpos
moribundos -não é esta uma
das obsessões da autista: a
(eterna) decadência do corpo?
Mas, se Seidl sabe ver a beleza
desses corpos, por que tanto os
tortura? Simplesmente para dizer que as pessoas são cruéis.
Os seus "funny games", ao contrário dos de Haneke, às vezes
parecem violência gratuita.
Afinal, o sadismo lúdico não
é só dos personagens, mas também do cineasta, que o encena
sem distância. Seidl não desenvolve seu ponto de vista crítico
o suficiente para justificar toda
a crueldade de sua mise-en-scène.
(TIAGO MATA MACHADO)
Dias de Cão
Hundstage
Direção: Ulrich Seidl
Produção: Áustria, 2001
Quando: hoje, às 23h05, na Sala UOL
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