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LITERATURA
No livro "Elizabeth Costello", que deve ser lançado em dezembro no Brasil, autor aborda fama literária
Coetzee cria espelho de suas idéias em escritora decadente
JANET MASLIN
DO "NEW YORK TIMES"
Elizabeth Costello percorre o
mundo, de universidades a navios
de cruzeiro, fazendo discursos e
aceitando prêmios. Como celebridade literária central de "Elizabeth Costello", o novo romance
de J.M. Coetzee, ela é o tipo de escritora renomada cuja condição
de tesouro vivo das letras é mais
teoria do que fato.
"Não é o métier dela, a argumentação", pensa o filho John.
"Ele a vê como uma foca, uma foca de circo velha e cansada", escreve Coetzee. Em criança, John
achava intrigante que "uma mulher que ganha a vida escrevendo
livros fosse tão ruim contando
histórias para fazê-lo dormir".
Da maneira que Coetzee estabelece em muitos comentários acerbos, Costello é uma celebridade literária no sentido mais anestésico
do termo. Nem mesmo ela se interessa totalmente pelo que tem a
dizer. Mas Costello rechaça ferozmente "os caçadores de relíquias,
os colecionadores e os peregrinos
sentimentais" que parecem querer pedaços dela e definem a atmosfera intelectual facciosa na
qual esse livro se desenrola.
Ainda antes que Coetzee ganhasse o Prêmio Nobel de Literatura, no começo do mês passado,
ele sabia uma coisinha ou outra
sobre as irritações da fama.
E ele parece estar escrevendo este romance de um ponto de vista
muito próximo de casa. Coetzee
trata a eminência de sua personagem principal como um aspecto
decisivo de sua ficção. Mas há um
efeito de espelho em "Elizabeth
Costello", graças à maneira pela
qual esse engenhoso romance foi
montado. Parte das teorias filosóficas de Costello foram escritas e
publicadas individualmente como pensamentos de Coetzee.
Assim, o livro é uma série de pit
stops metafísicos, apresentados
de maneira inteligente, se bem
que conectados apenas tenuemente. Cada capítulo é dedicado a
alguma teoria de Costello, à afetuosa zombaria de Coetzee quanto à forma pela qual ela as apresenta e defende e a seguir a uma
séria explicação das idéias de Costello. De direitos dos animais ao
mal, Eros e humanismo, Costello
teimosamente se define como escritora, desgastando os nervos
alheios onde quer que vá.
Em seu primeiro trabalho de
ficção desde "Desonra", Coetzee
cria uma substituta formidável,
até mesmo carismática, na forma
de uma escritora dedicada ao seu
trabalho. Mas o livro se aprofunda nas dúvidas mais graves de
Costello, e culmina em um desdobramento teatral digno da afinidade do personagem com Kafka.
Ela termina forçada a explicar
seus princípios literários.
À luz de suas ambições difusas e
rarefeitas, "Elizabeth Costello" se
prova improvavelmente convidativo no nível de simples narrativa.
Coetzee pontua cada episódio
com um vislumbre do que existe
por trás da resistente blindagem
de Costello, e com suas observações cômicas e desdenhosas sobre
aqueles que a cercam.
Para os propósitos de "Elizabeth Costello", a principal mensagem é a de que o escritor é livre
para seguir sua imaginação onde
quer que esta vá. "Se eu posso
abrir caminho pelo pensamento
até a existência de um ser que jamais existiu, posso abrir caminho
pelo pensamento até a existência
de um morcego (...) qualquer ser
com quem eu compartilhe um
substrato de vida".
E, sob o mesmo critério, Coetzee pode habitar os dias de decadência de uma escritora e se unir a
ela no convite a reações que terminam sendo sempre polidas.
"Uma palestra admirável, sra.
Costello", diz um reitor de faculdade. "Muito estimulante. Aguardamos com ansiedade o que a senhora terá a nos dizer amanhã."
Tradução Paulo Migliacci
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