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São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2003

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"THOMAS MANN, O ARTISTA MESTIÇO"

Origem brasileira participa de desvio do escritor

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS

ESPECIAL PARA A FOLHA

"Thomas Mann, o Artista Mestiço" coloca a sociologia da cultura em alto nível, porque é corajoso, sutil, muito bem escrito, profundo e alheio a modismos acadêmicos vigentes. Para nós, brasileiros, é a grata e jubilosa revelação de como um jovem autor nacional é capaz de discorrer sobre as questões universais da arte e da literatura.
O antecedente dessa empreitada é Sérgio Buarque de Holanda entrevistando Thomas Mann (1875-1955), o qual falou de sua mãe brasileira como sendo um fator determinante em sua escrita.
Nascido em Taquaritinga, à beira da estrada de ferro Araraquara, no interior de São Paulo, Richard Miskolci aborda o escritor da Alemanha, Thomas Mann, o misturado, filho de mãe de Parati com um pai alemão senador. Escreve Miskolci: "Thomas Mann foi o artista burguês, respeitável e criador de obras responsáveis e seu hipotético oposto, o artista mestiço, degenerado e possível criador de obras perigosas para a sociedade burguesa. O escritor alemão construiu sua obra sobre a frágil dicotomia entre a norma e o desvio".
O assunto é o intelectual artista e seu destino na sociedade de mercado capitalista, na qual a ciência é o discurso hegemônico que faz a patologia da arte dissidente. Decorre daí, das relações mercantis e repressivas, que o artista é o negativo do burguês, mais ou menos o boêmio como sendo o contrário do burguês celebrizado por Oswald de Andrade.
Júlia da Silva é o nome da mãe brasileira do moreninho Thomas Mann que, aos 37 anos de idade, era cotado ao Prêmio Nobel de literatura no país de Hitler, de modo que não é barra leve o imaginário de Mann, em cuja identidade artística ele se autocompreendia na genética de sua mãe estrangeira. Na sociedade patriarcal, pragmática e capitalista, a literatura é o desvio psicossocial da ordem. A sorte e o infortúnio do intelectual que teve mãe exótica, tesuda, devaneante, bonita e inteligente.
Miskolci analisa em profundidade a obra de Mann, portanto não se trata de biografismo na ênfase que concede à herança materna na formação do artista com pensamento perigoso, "autor marcado por sua origem brasileira mestiça, e de sua postura marginal na sociedade burguesa alemã no período imperialista".
O caráter antiartístico do capitalismo se mescla, no caso de Mann, à circunstância de ser fruto de um casamento inter-racial. É como se "Casa Grande e Senzala" tivesse sendo anunciada 30 anos antes com o romance "Tonio Kröger". O detalhe é que na Alemanha, final do século 19, o Brasil era demonizado como exótico e acometido de doenças tropicais.


Thomas Mann, o Artista Mestiço
    
Autor: Richard Miskolci
Editora: Annablume
Quanto: R$ 25 (163 págs.)


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