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Em seu novo livro, "Bush na Babilônia", Tariq Ali mescla a análise histórica e a política para tratar da ocupação norte-americana do Iraque
PÁGINAS DA OCUPAÇÃO
Leia a seguir trecho do livro "Bush na Babilônia", escrito por
Tariq Ali, que a editora Record lança neste mês.
Às vezes, quando contemplam o
mundo, os poetas são tomados
pelo pressentimento da escuridão. Em carta a um amigo, Rimbaud explicou que para ser poeta
"é necessário ser visionário, fazer
de si mesmo um visionário. O
poeta faz de si um visionário com
uma longa, imensa e racional turbulência dos sentidos (...) ele alcança o desconhecido". Mas não
são apenas os sentidos ou o jogo
entre pensamento e sensação que
produzem um visionário. É a
consciência do ambiente, do solo
que fertiliza o pensamento.
Pouco depois do verão de 1824,
quando o Estado prussiano instituiu leis discriminadoras para impedir que os judeus ensinassem
em escolas e universidades, Hein-
rich Heine (que na época já se tinha convertido do judaísmo ao
protestantismo) escreveu a um
amigo dizendo que, apesar da
mudança de religião, defenderia
com vigor os direitos civis dos judeus (...).
Os poetas que compreendem a
história costumam estar cheios de
pressentimentos profundos.
Nunca se permitem mergulhar no
desespero; continuam a ter esperança, enquanto recordam os crimes do passado como advertência para os criminosos de hoje;
alertam seus leitores para as punições que caem sobre os que ficam
em silêncio e se tornam cúmplices
de assassinato.
O poeta hebreu Aharon Shabtai
apela a seus compatriotas para
que não pensem no passado apenas do ponto de vista do oprimido, mas para que olhem para dentro de si e perguntem se, até mesmo inconscientemente, não herdaram algo de seus opressores. A
história é imprevisível. O horror
colonial imposto aos palestinos
pode um dia ser apresentado aos
israelenses no banco dos réus:
Quando tudo tiver fim,
Meu querido e prezado leitor,
Em qual destes bancos será
Que então deveremos sentar?
Aqueles de nós que gritaram
"Morte aos árabes!"
E aqueles de nós que alegaram
"nada saber"?
Durante a maior parte do século
20, a poesia, embora não os poetas, gozou de considerável liberdade no mundo árabe, não importando quem governasse. Como isto aconteceu? Fácil de
aprender, a poesia pode ser recitada num café (...), pode cruzar as
fronteiras, viajando de cidade em
cidade sem medo. E isto ela fez,
ajudando a aliviar a fome intelectual e espiritual da nação árabe.
Quanto aos poetas, eles sofreram. Suas vidas foram dominadas
por despedidas forçadas, pelo exílio indesejado. Uma vez que a verdade pública é posta fora da lei,
chega a hora do contemporizador
-o poeta (ou jornalista, ou intelectual) sabujo que enfeita as plataformas oficiais, zomba da idéia
de que o poeta é uma tribuna, fala
apenas das virtudes do intelectual
enquanto recreador.
Mas os ditadores, até mesmo os
menos inteligentes, preferem o
artigo original. Desprezam os sabujos que podem ser comprados
e vendidos pela Muhabarat (a polícia secreta) de qualquer país.
O líder que exerce o poder absoluto (...) acredita que possui também sabedoria absoluta e, naturalmente, bondade absoluta e, em
consequência, quer que os poetas
respeitados pelo povo escrevam
versos que o deifiquem e homenageiem seu regime.
No início da década de 1930,
Osip Mandelstam sentiu-se obrigado a escrever alguns poemas
péssimos glorificando Stálin. Sabia que eram horríveis. Um antídoto de limpeza tornou-se necessário. Mandelstam compôs um
único poema luminoso e cruel
contra Stálin, que só recitava para
amigos íntimos e, ainda assim,
aos sussurros.
Mas este grande poeta esqueceu
(ou talvez não) que assim que o
poema foge de seu refúgio, a cabeça do poeta, e é escrito ou recitado, não há como mandá-lo retornar. E, o que foi trágico para Mandelstam, seu poema não pôde ser
chamado de volta. Viajou por toda a antiga União Soviética, foi
traduzido para os idiomas locais
ao percorrer a Ucrânia, a Geórgia,
o Azerbaijão e o Uzbequistão.
E certo dia Stálin ouviu falar dele e o poema chegou ao Kremlin.
Ele mesmo poeta menor na juventude e então um homem obsessivo, Stálin deve tê-lo lido muitas vezes, imaginando como estava sendo recebido por todo o país
e, mais importante, se fizera algum de seus colegas do Politburo
rir quando ele virava as costas. O
poema tornou-se imortal, mas
custou ao poeta sua vida.
O Iraque sempre foi um país orgulhoso. Este orgulho refletiu-se
muitas vezes no trabalho de seus
poetas teimosos e leais, que se recusam a dobrar os joelhos. (...)
Em 1979, ano em que Saddam
Hussein tornou-se governante
absoluto e decidiu varrer o que
restava da esquerda no Iraque, o
poeta Saadi Youssef, não desejando escrever maus poemas, fugiu
de Bagdá. Era impossível estar em
paz com a nova Inquisição e manter-se criativo. Assim, ele disse
adeus a Bagdá e Basra e buscou
refúgio em Beirute. Em abril do
mesmo ano, escreveu "Amizade"
e dedicou-o ao amigo e colega
poeta Adonis:
Um quarto de século já se passou
E agora viemos então descobrir
Que Ibn Tamiya então se tornou
Cabeça de clava
enquanto al-Muwafaq continua
a juntar
escravos rebeldes
Tirados das fundas entranhas
da terra.
E a polícia de Damasco nos chuta
E a polícia do Iraque
E a polícia americana dos árabes
E a inglesa
E a francesa
E a persa
E a polícia otomana
E a polícia dos califas fatímidas
(...)
E também nos chutam nossas
famílias,
Nossas ingênuas famílias de
bem,
Nossas famílias assassinas!!!
Somos os filhos dessa loucura.
Sejamos o que quisermos.
A OBRA
Bush na Babilônia
Autor: Tariq Ali
Editora: Record
Quanto: R$ 34 (240 págs.)
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