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CRÍTICA
Tariq Ali critica "libertação" do Iraque e apatia árabe
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Por que pessoas inteligentes da Grã-Bretanha e dos
Estados Unidos ficam surpresas
ao saber que a ocupação é detestada pela maioria dos cidadãos iraquianos? Será que a razão é que
não há lembrança, nesses dois
países, de terem sido ocupados?",
pergunta o escritor paquistanês
Tariq Ali na introdução de seu
novo livro.
Mescla de análise política e histórica, "Bush na Babilônia" procura justamente demonstrar por
que muitos iraquianos respondem com hostilidade à "libertação" de seu país e desconfiam das
intenções de tropas estrangeiras.
Escrito logo após o início da invasão anglo-americana a esse país
que abrigou a Mesopotâmia, o livro examina os efeitos devastadores da ditadura de Saddam Hussein, mas não poupa críticas à
ocupação militar e à campanha
que abriu caminho para ela. Ali
resgata uma série de discursos de
George W. Bush e de assessores
próximos ao presidente norte-americano que, por um lado, reiteram a teoria de um perigo iminente e, por outro, destacam a importância do petróleo iraquiano.
O autor cita o vice-secretário da
Defesa, Paul Wolfowitz: "Por razões que têm muito a ver com a
burocracia governamental dos
EUA, optamos pela única questão
com a qual todos podiam concordar: as armas de destruição em
massa". E ainda sobre a opção militar, nas palavras de Wolfowitz:
"Economicamente, não tínhamos
outra opção no Iraque. O país nada em uma mar de petróleo".
Ali faz um breve histórico da
Iraq Petroleum Company, de propriedade britânica, e de seu papel
em disputas bélicas. "Hoje, na era
do banditismo capitalista que
gente bem-educada descreve como "globalização", a ocupação do
Iraque pelos Estados Unidos vai
privatizar essa commodity mais
uma vez. E daqui a 20 anos?",
questiona.
Na opinião do escritor, membro
do conselho editorial da revista
acadêmica "New Left Review" e
autor de "Confronto de Fundamentalismos" (Record), entre outros livros, "o pretexto oficial de
que a guerra era fundamental para eliminar as armas de destruição em massa do Iraque era tão
frágil que teve de ser descartado
como um embaraço quando até o
corpo de inspetores da ONU, famoso por sua subserviência e
abertamente infiltrado pela CIA
[serviço de inteligência dos EUA],
foi incapaz de encontrar qualquer
traço deles".
Manifestações
Em 15 de fevereiro, no maior
protesto coletivo da história da
humanidade, mais de 10 milhões
de pessoas promoveram atos contra a guerra em pelo menos 60
países. Os manifestantes rejeitavam a justificativa apresentada
para a ação bélica: a suposta existência de armas de destruição em
massas e a necessidade de uma
ofensiva militar para destruí-las.
O capítulo seis é dedicado justamente a esse movimento pacifista. "Oriundos de muitos cenários
políticos e sociais diferentes,
uniam-se apenas pelo desejo de
impedir a invasão imperialista de
um país árabe rico em petróleo
numa região já dilacerada pela
guerra colonial na Palestina", afirma o autor, que recorda, ainda, a
repressão de governos árabes aos
protestos, fosse no "regime mercenário de Hosni Mubarak", no
Egito, ou no "protetorado israelo-americano da Jordânia".
As críticas também atingem a
Liga Árabe, que, segundo Ali, "superou-se como expressão coletiva
da ignomínia, anunciando sua
oposição à guerra ainda que a
maioria dos membros participasse dela. Essa é uma entidade capaz
de dizer que a Caaba [na Arábia
Saudita] é negra enquanto a pinta
de vermelho, branco e azul".
O autor se serve das "bodas de
chacal" para descrever as reuniões dos que colaboram com a
atual administração no Iraque.
Nas noites de verão, no sul do
país, os chacais fazem algazarra e
barulho durante o acasalamento e
no ritual que o acompanha, e é essa a imagem que ilustraria a agitação dos outros "chacais". "O barulho e fedor são insuportáveis",
afirma.
Ali traça um breve panorama da
ocupação e da resistência nos últimos séculos, desde a invasão
mongol de 1258, que resultou na
destruição de Bagdá e na morte
do califa e de vários de seus familiares, até os acontecimentos mais
recentes. Cabia um pouco mais de
rigor histórico, a documentação
podia ter sido mais meticulosa
(sobretudo nos capítulos finais),
mas o escritor compensa isso com
o resgate (e a recomendação que
faz) da obra de Hanna Batatu, que
teve acesso aos arquivos da polícia de Bagdá, no período entre
guerras, e aos documentos do Foreign Office (Departamento de
Relações Exteriores) britânico.
Batatu também fez uma descrição
minuciosa da Revolução de 1958 e
do período posterior até o final de
década de 70.
O quadro que Ali traça para o
futuro aponta para uma repressão
sistemática contra a oposição e
para o fortalecimento da "teoria
de que os iraquianos são um "povo doente" que precisará de um
tratamento prolongado antes que
possam ser confiados a seu próprio destino (se isso vier a acontecer)". Com as ações contra a ocupação crescendo a cada dia e a situação da população civil se agravando, talvez seja a hora de rever
o "tratamento".
Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP
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