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DRAUZIO VARELLA
Uvas, vinhos e longevidade
Para viver mais, é preciso comer menos. Comecei com essa frase uma conferência sobre o
papel da restrição calórica na longevidade dos seres vivos, fenômeno demonstrado em ratos de laboratório pela primeira vez na
década de 1930.
De fato, nessas pesquisas iniciais ficou demonstrado que ratos
submetidos a dietas de baixo conteúdo calórico viviam até 40%
mais do que ratos alimentados
"ad libitum" (liberados para comer quanto desejassem). Essa relação inversa entre a quantidade
de calorias ingeridas e o número
de dias vividos foi mais tarde confirmada em fungos, moscas, mosquitos, vermes, aranhas, sapos e
peixes. Experimentos mais recentes sugerem a validade dessa associação até em macacos, que são
primatas, como nós.
Partindo do princípio de que a
natureza não demonstra interesse em favorecer a sobrevivência
de qualquer espécie e de que a
evolução não criou nenhum mecanismo exclusivo para beneficiar ou prejudicar a espécie humana, na palestra acrescentei ser
altamente provável que uma dieta pobre em calorias também retardasse o envelhecimento e prolongasse a vida humana.
Nesse momento, numa das cadeiras da frente, um rapaz de rosto redondo e corpo avantajado reclamou:
- Se for para viver sofrendo,
prefiro morrer mais cedo!
Para consolo dos que concordam com a filosofia acima, as bases moleculares que explicam o
mecanismo pelo qual a restrição
calórica retarda o envelhecimento têm sido esmiuçadas nos últimos anos e conduzido a conclusões surpreendentes, segundo revisão publicada na revista "Science" por Stephen Hall, autor do livro "Mercadores da Imortalidade".
Nessa linha de trabalho, pesquisadores de Harvard demonstraram que algumas pequenas moléculas presentes nos vegetais conseguem mimetizar os efeitos da
restrição calórica prolongando o
tempo de vida de certos fungos
em até 70% e protegendo células
humanas dos efeitos letais das radiações ionizantes.
Tais moléculas pertencem à família dos polifenóis, substâncias
encontradas em uvas, vinho tinto,
óleo de oliva e outros alimentos.
Pesquisas realizadas no MIT,
em Boston, permitiram demonstrar que, nos fungos, essas moléculas agem por meio da ativação
de um gene chamado SIR2. A ativação desse gene resulta em aumento da longevidade do fungo.
E, mais, se retirarmos o gene SIR2
do fungo e o submetermos à restrição calórica, não acontece o esperado aumento de longevidade,
demonstrando ser ele essencial ao
controle de duração da vida.
Mecanismo semelhante parece
ocorrer também em vermes e nas
mosquinhas que voam sobre bananas maduras (drosófilas). Em
células humanas também, graças
à ação dos polifenóis sobre um gene análogo àquele existente nos
fungos, batizado como SIRT1.
Procurando novas moléculas
com propriedades semelhantes às
dos polifenóis, o grupo do MIT
identificou mais 15 compostos. O
mais potente deles é o resveratrol,
encontrado na uva e no vinho tinto, substância capaz de potencializar a atividade do gene SIRT1
humano.
Essa capacidade do resveratrol
em ativar o gene SIRT1, ligado à
longevidade, tem sido invocada
para explicar o paradoxo francês:
a constatação de que, apesar da
dieta rica em gordura, os franceses apresentam 40% menos ataques cardíacos do que os americanos, diferença classicamente atribuída pelos epidemiologistas ao
consumo generalizado de vinho
tinto na França.
Qual seria a lógica para a natureza conservar na evolução de espécies tão diversas quanto fungos
e homens genes cuja ativação
prolonga a longevidade das células? Por que razão compostos como o resveratol produzidos em
plantas ativariam esses genes em
animais?
A resposta foi dada por T. Dobzhansky, um dos mais influentes
geneticistas do século, décadas
antes dessas experiências terem
sido realizadas: "Nada na Biologia faz sentido, exceto à luz da
evolução".
Genes capazes de interromper o
processo de envelhecimento e,
consequentemente, de aumentar
a longevidade entrariam em ação
nos momentos de estresse, como
aquele representado pela falta de
alimentos, por exemplo. Na seleção natural, indivíduos portadores desses genes provavelmente levaram vantagem reprodutiva sobre os que envelheciam mais rapidamente quando as condições do
meio se tornavam desfavoráveis.
Da mesma forma, as plantas capazes de sintetizar compostos dotados da propriedade de ativar
esses mesmos genes, nas fases de
estresse ocasionado pela falta de
água ou nutrientes no solo, também levaram vantagem seletiva.
Como todos os seres vivos descendem de ancestrais comuns, não é
de estranhar que os animais se
beneficiem da ação desses compostos ao ingeri-los sob a forma
de cacho de uvas, azeite de oliva
ou copo de vinho. Sorte nossa!
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